Parecer apresentado por Affonso de Dornellas na secção da heráldica da
Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sua sessão de 1 de
Abril de 1925.
Em 1645 publicava
Rodrigo Mendes da Silva a sua obra «Poblacion General de España, sus
trofeos, blasones, etc.», onde inclui as cidades e vilas portuguesas
indicando as armas de cada uma.
No capítulo 135 trata
de Vila Real, não fazendo referência às armas desta Vila o que é
bastante esquisito e pouco vulgar na mesma obra. No capítulo anterior
referente a Moncorvo e no posterior referente a Vila Flor, descreve as
respectivas armas; no de Vila Real, nada. Porquê? Por falta de
conhecimento? Por não haver armas de Vila Real nessa época?
Vila Real teve nada
menos de quatro forais a saber:
1.º – dado em
Santarém a 7 de Dezembro de 1272, registado no Livro I de Doações de D.
Afonso III, folhas 117 v. col. 2.
2.º – dado em Lisboa
a 4 de Janeiro de 1289, registado no Livro I de Doações de D. Diniz
folhas 247 v. col. 1. Está publicado no livro das Egrejas do Padroado
Real do Arcebispado de Braga por Lousada a folhas 443.
3.º – dado em Lisboa
a 24 de Fevereiro de 1293, registado no Livro II de Doações de D. Diniz,
folhas 53 v. col. 1. Documento n.º 13 do Maço 3.º da gaveta 15 da Torre
do Tombo.
4.º – dado em Lisboa
a 22 de Junho de 1515, registado no Livro de Forais Novos de Trás os
Montes, folhas 47 v. col. 2. Os autos para este foral constituem o
documento 25 do Maço 3.º da parte III do «Corpo Chronologico», arquivado
na Torre do Tombo.
Um dos primeiros
assuntos a tratar depois de recebido o foral, era a organização do selo
municipal para poder autenticar os documentos que fossem lavrados. As
figuras que constituem o selo, são as que aparecem no estandarte
municipal que era de seda bordado para figurar nas cerimónias, e
esculpido em pedra para colocar nos frontispícios das construções
pertencentes ao Município.
Não resta portanto a
menor dúvida que Vila Real teve o seu selo e portanto as suas armas.
Quais foram inicialmente?
Nos variados estudos
a que tenho procedido sobre as armas das cidades e das vilas
portuguesas, tenho na maioria dos casos lutado com as mesmas
dificuldades, não encontrando qualquer referência ao primitivo selo e
portanto às primitivas armas.
Parece que durante os
séculos XIV e XV, houve em muitos Municípios uma fase de completo
abandono por tudo, desaparecendo o selo e o estandarte, estabelecendo-se
um completo desconhecimento destas interessantes insígnias de autonomia
local.
Por todo o país houve
um manifesto adormecimento sobre o valor dos forais, naturalmente para
dar lugar ao abuso e cada um proceder como melhor lhe parecia.
D. Manuel I,
aproveitando muito bem este estado de coisas e compreendendo muito bem
que os primitivos forais não só tinham servido para o início da educação
e disciplina do povo, como para estabelecer uns certos impostos,
resolveu organizar, modernizando, a vida dos Municípios, tirando muitas
regalias, criando muitos mais impostos, e estabelecendo muitas regras
que a época já ia exigindo.
Primeiro planeou
recolher de todas as cidades e vilas, os Forais, Tombos, Escrituras e
mais documentos indispensáveis para a organização geral e metódica,
nomeando para esta busca, uma comissão composta do Chanceler Mor do
Reino Dr. Rui Boto do seu Conselho, Dr. João Façanha do seu Desembargo e
de Fernão de Pina, Cavaleiro de sua casa. Esta deliberação foi exarada
em Évora em Carta Régia de 22 de Novembro de 1497, a qual constitui o
Documento n.º 119 do Maço 2 da Pasta 1 do «Corpo Chronologico» existente
na Torre do Tombo.
Recolhidos todos
estes elementos e feito o respectivo estudo para estabelecer uma
normalidade em todo o país, foram os forais novos elaborados e expedidos
sendo o primeiro o de Lisboa com data de 7 de Agosto de 1500. Expediu D.
Manuel mais de 1760 forais em 735 Documentos.
O Foral Novo de Vila
Real, como disse, é datado de 22 de Junho de 1515.
Estes forais novos
vieram fazer uma grande confusão na heráldica de domínio, pois muitas
das terras que tinham já perdido a noção de como teria sido o seu selo e
o seu estandarte, em vez de procurarem organizar novo selo, adoptaram a
esfera armilar e até a Cruz de Cristo e as armas nacionais, por na
primeira página do foral se acharem iluminados estes elementos.
Julgaram que por
estarem pintados no foral da terra, eram as suas insígnias.
Ainda houve alguns
municípios, que conhecendo o selo antigo, o substituíram pelos assuntos
iluminados no foral. Enfim foi um desastre que felizmente agora se está
rectificando a pouco e pouco havendo já umas dezenas de municípios que
têm solicitado da secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos
Portugueses, que lhe seja feito um estudo sobre as suas armas de domínio
para usarem nos selos, nos estandartes e esculpido nos edifícios.
As Armas de Villa
Real de Panoyas como se designava antigamente, de Vila Real de Trás os
Montes como é vulgarmente conhecida e da Cidade de Vila Real como agora
acabam de a alcunhar, necessitam dum aturado estudo que não deve ser
feito sem que o seu Município o solicite da referida Instituição dos
Arqueólogos Portugueses.
Como disse no início
deste resumido estudo, Rodrigo Mendes da Silva em 1645 não lhe indica
armas.
Em 1675, Francisco
Coelho, Rei d’Armas da Índia, no seu «Thesouro da Nobreza», existente na
Torre do Tombo, dá como armas de Vila Real, um braço empunhando uma
espada e lgnacio Vilhena Barbosa em 1862 no Volume III da sua obra «As
Cidades e Villas da Monarchia Portuguesa que teem brasão d’Armas», dá
como armas de Vila Real – uma coroa de louro, tendo ao meio escripta
a palavra aleo, e ao lado uma espada –.
Parece-me que o braço
com a espada tem uma certa razão de ser, atendendo à letra dos seus
forais que dão tais liberdades a Vila Real, tornando-a por tal forma
independente e tão radicalmente autónoma, que causa espanto.
Dá a impressão que as
terras de Panoyas eram excessivamente exploradas pelos nobres e pelos
senhores que exerciam justiça e que o abuso estava tão inveterado na
vida normal das autoridades locais, que os forais foram uns verdadeiros
gritos de liberdade.
El-Rei D. Afonso III
tentou fundar esta Vila, parecendo que era necessário criar naquela
região um novo organismo por naturalmente ser difícil, disciplinar os
mandantes da área conhecida por «Terras de Panoyas».
Apesar das regalias
previstas no Foral deste Rei, em 7 de Dezembro de 1272, parece que a
nova Vila não tomou o desenvolvimento desejado ou não chegou mesmo a
fundar-se. Morreu D. Afonso III em 1279 sucedendo-lhe seu filho D. Diniz
que naturalmente pelas queixas dos habitantes da «Terra de Panoyas»,
procurou remediar o caso, elaborando outro foral com maiores e mais
acentuadas prorrogativas em 4 de Janeiro de 1289 o que ainda não chegou
pelo que em 4 de Fevereiro de 1293 um terceiro Foral, veio então regular
a vida da Nova Vila que definitivamente se fundou com quinhentos
habitantes, comprometendo-se D. Diniz a construir a muralha necessária
para a cercar.
É notável a forma
como este Foral dá poderes a quinhentos povoadores para que tudo se
fizesse como quisessem, até podiam escolher as pessoas que muito bem
entendessem para aumentar o seu número.
Cada ano os
habitantes de Vila Real tinham que nomear dois juízes para toda a «Terra
de Panoyas» os quais prestariam juramento nas mãos dos tabeliães.
Os habitantes de Vila
Real podiam passear e caçar por toda a Terra de Panoyas sem o menor
obstáculo e podiam passar e vender tudo quanto lhes pertencesse pelas
outras povoações sem pagarem qualquer imposto, e tinham licença de porte
d’armas até Bragança.
Este Foral não
permitia que fosse quem fosse que vindo de fora, ficasse sequer uma
noite dentro da Vila, mesmo sendo Rico Homem. Os Meirinhos não podiam
entrar em Terra de Panoyas salvo se fossem de caminho e tudo quanto
qualquer estranho despendesse, teria que o pagar, quer dizer não havia
aboletamentos, nem obrigação de sustentar caminheiros.
Caso D. Diniz ou os
seus sucessores fizessem Alcácer em Vila Real e portanto nomeassem
Alcaide, este só teria poderes no castelo para o guardar, não tendo que
intervir fosse no que fosse na Terra de Panoyas onde só mandavam os dois
juízes que o povo nomeasse em cada ano.
Enfim, D. Diniz doou
pelo mesmo Foral todas aquelas regiões aos habitantes de Vila Real,
ficando tudo Coutado não permitindo que nesse Couto entrassem Meirinhos,
Porteiros, Mordomos e Encouteiros nem outra qualquer justiça onde só
davam ordens os referidos dois juízes, sendo de trezentas libras a multa
para qualquer autoridade de fora que tivesse a pretensão de dar ali
ordens.
Os crimes que se
praticassem em «Terras de Panoyas» só podiam ser julgados pelos dois
juízes de Vila Real, devendo toda a justiça ser feita dentro da Vila por
ser a cabeça de toda a mesma Terra.
Enfim com tudo isto
não estará bem nas armas de Vila Real, um braço armado com a espada da
justiça?
Em 1415, D. João I
tomou Ceuta aos Mouros ficando ali por Governador, D. Pedro de Menezes,
filho do primeiro Conde de Viana, João Afonso Tello de Menezes e de sua
Mulher D. Maria Villalobos Porto Carreiro, que era filha e herdeira da
grande casa de Pedro Lourenço de Porto Carreiro, grande proprietário nas
«Terras de Panoyas» a quem El-Rei D. Diniz salvaguardou todos os
direitos no Foral de 24 de Fevereiro de 1293 acima referido.
Após a tomada de
Ceuta, D. João I teve sérias dificuldades em nomear Governador, por
todos quererem voltar ao Reino. D. Pedro de Menezes, num intervalo de
luta com os mouros, jogava a choca com outros cavaleiros e no momento em
que ganhava o jogo levantando o cajado vitorioso, e dando o grito «Aleo»,
que indicava a vitória, soube que ninguém queria aceitar o cargo de
Governador de Ceuta que se afigurava muito perigoso e então correu à
presença de D. João I e disse que com o cajado com que acabava de gritar
«Aleo», manteria a moirama em respeito se fosse nomeado Governador da
Cidade.
Foi imediatamente
nomeado para tão espinhoso cargo, dando-lhe D. João I o mesmo cajado por
bastão.
É conhecidíssimo este
facto, ficando a palavra «Aleo» como grito de guerra de todos os
descendentes de D. Pedro de Menezes que repetiram esta palavra nas
sepulturas, na ornamentação dos seus palácios, nos fechos das abóbadas,
na ornamentação das janelas, etc.
Os descendentes de D.
Pedro de Menezes, foram Condes, Marqueses e Duques de Vila Real e ainda
hoje, nas ruínas do sumptuoso Palácio que possuíam em Vila Real, na
ornamentação das janelas, dentro duma coroa de carrascos, existe a
palavra «Aleo», como repetida dezenas de vezes existe no monumental
túmulo do grande guerreiro D. Pedro de Menezes na Igreja da Graça em
Santarém.
A palavra «Aleo»,
constituía um grito de liberdade, era um termo de direito medieval, «Alleu»
ou «Francoalleu», que se opunha ao feudalismo.
A cidade ou vila que
fosse livre, que não era sujeita a um senhor que ministrasse justiça e
recebesse impostos, enfim que fosse absolutamente autónoma, estava
abrangida pela significação «Alleu».
No Algarve ainda hoje
o descanso ou alívio se manifesta dizendo «Aleu».
Em todo o Portugal
ainda hoje se diz «Alódio» quando nos queremos referir a uma propriedade
livre de direitos ou encargos senhoriais, é «Alodial», não está foreira,
está livre.
No jogo da choca era
a mesma coisa. Travava-se o jogo entre dois grupos, defendendo cada um,
uma entrada do Largo onde se efectuava o jogo. Atirava-se uma bola ao ar
e correndo para um dos lados, os jogadores munidos de pequenos cajados,
tratavam de ver se a encaminhavam para a saída guardada pelo grupo
contrário e assim continuava o jogo até que a bola seguia por uma das
saídas e então o cajado que lhe tinha dado o último impulso era
levantado ao ar e todos os do grupo do vencedor gritavam «Aleo», sendo
em seguida pagas as apostas.
É pois
interessantíssimo o facto, a coincidência de ter sido adoptado pela
Família de D. Pedro de Menezes o grito de guerra «Aleo» por causa do
caso passado em Ceuta em 1415 e ser D. Pedro de Menezes descendente de
Pero Lourenço de Porto Carreyro, rico proprietário das «Terras de
Panoyas» e progenitor dos Condes, Marqueses e Duques de Vila Real,
quando afinal, Vila Real pelo Foral de D. Diniz está perfeitamente nas
condições de poder usar o grito «Aleo».
Ora sucede que em
1675, como já disse, Francisco Coelho, no seu «Thesouro da Nobresa», que
não merece muito crédito, indica como armas de Vila Real, apenas o braço
armado duma espada e em 1862, Vilhena Barbosa, inclui nas mesmas armas
uma coroa de louros circundando a palavra «Aleo» pondo-lhe a espada ao
lado.
Porque é que neste
intervalo, foi pela Câmara Municipal adotada a coroa de louros e a
palavra em questão?
Haverá alguma
referência nas actas das sessões da Câmara?
Seria por verem na
frente do Palácio dos Condes, Marqueses e Duques de Vila Real a mesma
palavra cercada duma coroa de carrascos que julgando serem as armas
locais, as adoptaram para o selo? Ou foi com pleno conhecimento da
significação da palavra «Aleo» com referência à história da fundação da
vila e das suas prorrogativas que compuseram assim as suas armas?
Fosse como fosse, o
que é facto é que de forma alguma Vila Real deve deixar de usar a
palavra «Aleo», a espada e uma coroa não de louros mas de carrascos
representando o sacrifício e enfim a simplicidade da sua fundação, pois
foi devida ao desejo de liberdade do povo natural da região que essas
prorrogativas lhe foram dadas.
Parece-me pois que
devem essas armas ser ordenadas por uma forma mais heráldica como vou
indicar:
– De ouro com uma
coroa de carrascos folhados e frutados de sua cor, enfiada por uma
espada de prata empunhada por uma mão de carnação movente do pé do
escudo. Ao centro da coroa a palavra «Aleo», de vermelho.
Bandeira de um metro
por lado quarteada de verde e branco com uma fita branca e os dizeres
«Cidade de Villa Real» de negro.
Indico o campo de
ouro, porque este metal na heráldica significa fidelidade, constância,
poder e liberdade.
Indico verde e branco
para a bandeira por serem a cor e o metal das peças principais das
armas.
[Affonso
de Dornellas.]
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: DORNELLAS,
Affonso de, «Vila Real», in Elucidário Nobiliarchico: Revista de
História e de Arte, I Volume, Número III, Março 1928, pp. 69-73. |