Parecer apresentado por Affonso de Dornellas à Secção de
Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão
de 28 de Dezembro de 1927.
A antiga
Vila de Alhandra deseja ter o seu estandarte conforme se vê pelo
seguinte ofício:
Junta
de Paroquia Civil de Alhandra – Ex.mo Sr. – Desejando a Comissão
Administrativa da Junta de Freguesia de Alhandra mandar fazer o escudo,
com as armas da vila, tomo a liberdade de pedir a V. Ex.ª o favor de nos
darem as indicações precisas, sobre este assunto, fornecendo-nos os
elementos para que possamos efectivar o nosso objectivo. – Com os nossos
maiores e antecipados agradecimentos, desejamos a V. Ex.ª Saúde e
Fraternidade. – O Presidente da Junta de Freguesia de Alhandra (a)
Filipe Pinheiro. – Alhandra, 15 de Setembro de 1927. – Ao Ex.mo Sr.
Presidente da Associação dos Arqueólogos.
Alhandra
teve o seu foral dado pelo Bispo de Lisboa, D. Sueiro II, em Abril de
1203 conforme está registado a folhas 5 verso do Livro dos Forais
Antigos de Leitura Nova, existentes na Torre do Tombo.
Como este
foral fosse muito exigente, foi modificado em 11 de Janeiro de 1480 pelo
Cardeal D. Jorge da Costa.
Como é
bem conhecida a veneração que este Cardeal teve por Santa Catarina,
talvez se possa atribuir a fundação sua, uma capela desta invocação que
existiu em Alhandra e que depois de ampliada e transformada em Igreja em
1558 pelo Cardeal D. Henrique, foi a Matriz de Alhandra.
Como
Vila, devia Alhandra ter o seu selo para autenticar os seus editais, mas
naturalmente como sucedeu a tantas outras terras de Portugal, perdeu-se.
Rodrigo
Mendes da Silva na sua obra «Población General de España, sus trofeos,
blasones, etc.», Madrid, 1645, referindo-se a Alhandra a folhas 166, não
lhe indica armas certamente por já não serem conhecidas nessa época,
pois foi notável a investigação deste heraldista sobre as Armas de
Domínio de Portugal e Espanha.
Não
aparece referência às suas Armas pelo menos naquelas obras impressas ou
manuscritas que tratam de Heráldica de Domínio.
É pois
necessário criar umas Armas para Alhandra em conformidade com a sua
história e as suas tradições.
Procuremos esses elementos.
As
célebres Linhas de Torres, onde tão acesa foi a guerra peninsular,
tinham o seu início em Alhandra onde no seu distrito existiam trinta
redutos que tão forte resistência deram durante a mesma guerra em defesa
da Cidade de Lisboa.
Este caso
notável, deve ter a sua representação nas Armas de Alhandra. Outro caso
importante caracteriza a Vila de Alhandra desde a velha antiguidade.
Na Quinta
do Paraíso, onde se tem repetido que nasceu Afonso de Albuquerque e seu
Filho, facto que hoje é considerado bastante duvidoso, existe uma
nascente d’água sulfurosa de corrente constante, muito afamada pelas
suas propriedades curativas de males de pele. Ali há também uma piscina
de pedra para uso das mesmas águas.
Procurando conhecer a significação da palavra Alhandra, encontro uma
muito parecida que se vê que é a original e Alhandra a corrupção.
Alhama é
a tradução árabe de banho, chamando-se alhama aos sítios onde
nasciam águas medicinais.
Em
Espanha existem as seguintes povoações com este nome:
- Alhama,
cidade da província de Granada, notável pelas suas águas minerais
classificadas de sulfatadas magnésicas. Foram tão notáveis estas
águas no tempo dos árabes, que produziram 500.000 ducados anuais para o
tesouro dos Califas.
- Alhama,
cidade da província de Múrcia, notável pelo manancial de águas minerais
classificadas de sulfatadas cálcicas, mesotermais e hipertermais.
- Alhama,
vila da província de Saragoça, notável pelas suas águas minerais. Os
Romanos chamavam a este local Aquoe Bilbilitanoe ou Aquoe
Bilbilitanorum. Os árabes traduziram este nome por Alhama.
- Alhama
la Seca, vila da província de Almeria, notável pelas suas águas
minerais. Os árabes chamavam-lhe «Alhama Gaxaxar», conforme cita Edrisi,
geógrafo árabe.
- Alhama
Uexitan, hoje Alicun, na província de Almeria. A tradução de Alhama
Uexitan, é Banhos Hueciganos, lugar também citado pelo referido Edrisi.
Há também
rios com o mesmo nome de Alhama, que banhando várias terras abasteciam
piscinas para banhos, como por exemplo o Rio Alhama da província de
Sória; o Rio Alhama da província de Granada, etc.
Com o
produto desta investigação, conjugado com o conhecimento da existência
de águas sulfurosas em Alhandra, fico convencido de que a Alhandra é uma
corrupção de ALHAMA.
Seja
assim ou não, existem de facto as águas medicinais naquela Vila,
portanto, tal caso, deve figurar nas suas Armas, principalmente depois
de alvitrada, como agora fica, a suspeição de que foram essas águas que
deram o nome à Vila.
Em face
do exposto, propomos que as Armas da Vila de Alhandra, sejam as
seguintes:
– De
vermelho com uma fonte de prata repuxando água, do mesmo metal. A fonte
acompanhada de doze torres também de prata, colocadas em orla. Coroa
mural de quatro torres de prata.
Bandeira
de vermelho e de branco por serem assim os esmaltes das Armas. Por
debaixo das Armas uma fita branca com letras pretas. Cordões e borlas de
vermelho e prata. Haste e lança de prata.
Proponho
que o campo seja de vermelho, por ser a região de Alhandra um verdadeiro
campo de lutas quando da Guerra Peninsular. Os trinta redutos ficam
representados pelas doze torres de prata, sendo proposto esse metal,
como do mesmo propomos que seja a fonte que representa as águas
medicinais, por a prata em heráldica denotar vencimento e riqueza.
[Affonso de Dornellas.]
(Texto
adaptado à grafia actual)
Fonte:
DORNELLAS, Affonso de, «Alhandra», in Elucidário Nobiliarchico:
Revista de História e de Arte, II Volume, Número V, Maio 1929, pp.
146-148. |