Parecer apresentado por Affonso de
Dornellas e aprovado pela Secção de Heráldica da Associação
dos Arqueólogos Portugueses em sessão de 26 de Novembro de
1932.
No
intuito de estudar a ordenação heráldica, simbolizando as
Cidades e Vilas do antigo Reino, depois Província do Algarve
e hoje Distrito de Faro, venho expor à Secção de Heráldica
da Associação dos Arqueólogos, a forma de aproveitar os
elementos que já estão consagrados como indicando a cidade
de Tavira e que, de facto, parece terem muita razão de ser.
Nas
conhecidas Armas de Tavira há apenas a falta da referência à
Ordem de São Tiago e da indicação de que essa Cidade
pertenceu ao Reino do Algarve que só no reinado de D. Afonso
III foi definitivamente anexado a Portugal.
É tão
notável para a nossa História, a anexação definitiva do
Algarve, que bem merece que cada cidade e cada vila desse
actual Distrito relembre aos seus naturais, que pertencem a
um antigo Reino que nos abriu as portas para as navegações
através dos mares desconhecidos.
Os
elementos principais com que contamos para conhecer as peças
heráldicas que compõem as Armas desta antiquíssima cidade,
são os seguintes:
– Rodrigo
Mendez da Silva, na sua obra “Poblacion General de España,
sus trofeos, blasones etc., etc., Madrid,1645, as folhas
155, sobre Tavira, diz: – por armas un escudo blanco
coronado”. –
Este
autor merecendo todo o crédito pela forma como trata
heraldicamente as cidades e vilas de Portugal e de Espanha,
não indicou armas para Tavira ou porque esta cidade tivesse
perdido o conhecimento do seu selo antigo, como aliás
sucedeu a tantas povoações portuguesas ou porque de facto
nunca as tivesse assumido.
Rodrigo
Mendes da Silva para falar de Tavira, consultou Damião de
Goes na Crónica de D. Manuel I; Duarte Nunes de Leão na
Descrição de Portugal; Brandão na Monarchia Lusitania; Juan
Sedeño nos Varões Ilustres e Faria na sua Epitome.
– A
Nobiliarchia Portugueza, tratado de nobreza hereditária e
política, etc., por António de Villas Boas e Sampayo, edição
de Lisboa 1727, no final, na descrição das Armas das Cidades
Portuguesas, não inclui as Armas de Tavira.
– Ignacio
de Vilhena Barbosa no volume III da sua obra "As Cidades e
Villas da Monarchia Portugueza que teem brasão d’Armas,
Lisboa, 1865, a página 64, descrevendo a história de Tavira,
diz: – Em alusão ao seu porto compõe-se o brasão de
Tavira de um escudo coroado, e nele representada uma ponte
com dois castelos, e um navio à vela sobre as ondas. –
No
desenho que acompanha esta descrição aparece a ponte tendo
uma torre em cada extremo e o navio.
– No
“Portugal·Diccionario Historico, Heraldico, etc., Volume VII,
Lisboa, 1915, no artigo sobre Tavira, a página 47, diz: –
O seu brasão d’armas é uma ponte, entre duas torres, sobre o
mar, onde navega um navio à vela. –
– Frei
Leão de Santo Tomas, na sua Benedictina Lusitana, Tomo II,
Coimbra, 1651, na lista das armas das cidades portuguesas,
não se refere a Tavira.
– Pinho
Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno, Volume IX, Lisboa,
1880, diz que a Alfândega de Tavira foi a mais rendosa do
Algarve enquanto o seu porto deu ingresso a navios de todas
as lotações e que as suas Armas consistem numa ponte entre
duas torres sobre o mar onde navega um navio à vela. –
Pela
ordem cronológica temos que foi Ignacio Vilhena Barbosa em
1865, o primeiro que descreveu as Armas de Tavira. Depois,
em 1880, Pinho Leal copiou, o que igualmente fez o "Portugal
Diccionario” em 1915.
Desnecessário é, pois, citar mais autores ou mais obras,
visto que todos passaram a copiar o primeiro que foi Pinho
Leal, pelo menos entre as obras que citei.
Tavira
teve vários forais, sendo o mais antigo, de Agosto de 1266,
registado no Livro I das Doações de D. Afonso III. No mesmo
livro e datado de 12 de Junho de 1269, está o foral dado aos
mouros forros da mesma cidade.
No Livro
II dos Direitos Reaes, está a lei de 15 de Março de 1282,
pela qual D. Diniz ordena que tudo quanto entrasse e saísse
pela foz do Rio de Tavira, pagasse Portagem e Dizima em
conformidade com o foral de Lisboa.
D. Manuel
I em 20 de Agosto de 1504, deu novo foral a Tavira que está
registado no Livro dos Foraes Novos do Alemtejo.
Por
alvará de 15 de Fevereiro de 1786, está confirmado o foral
de Tavira, arquivado no Maço I dos Foraes Novissimos,
etc.,etc..
Então,
com tanta legislação, com tão notável importância, o
município de Tavira não teria o seu selo, pelo menos, desde
que D. Afonso III no Século XIII lhe deu o primeiro foral?
Não é
crível.
Tavira
deve ter tido o seu selo e, por conseguinte, as suas armas.
Perdeu-se, houve época em que o seu comércio ou a sua
importância foi menos intensa e naturalmente quando os
Forais Novos de D. Manuel I apareceram e foram dar método e
nova vida administrativa às cidades e vilas, pois muitas
estavam adormecidas, já não havia recordação do antigo selo
e adoptou-se abusivamente o uso das Armas Nacionais, erro
motivado porque na primeira página do novo foral figuravam
as Armas de Portugal acompanhadas da esfera armilar e da
Cruz de Cristo. Isto foi quase regra geral em Portugal.
Em Tavira
parece que nem mesmo os elementos da iluminura do foral
aproveitaram.
Mais
tarde, apareceu o selo antigo ou enfim foi ordenado o que
aparece em Vilhena Barbosa e Diccionario Portugal citados.
Fosse
como fosse, o facto é que o selo de Tavira com a ponte
torreada e com o navio, dá perfeita ideia da importância que
a ponte tem para a vida local e dá ideia da sua importância
comercial alfandegária pela inclusão do navio.
Hoje, que
o avanço da cultura exige um grande cuidado na revisão de
tudo quanto represente história, tradição e valores
concretos, devemos tornar mais completos os selos
municipais, demonstrando que nos merece o maior cuidado a
simbologia da história e a representação dos valores
regionais.
Tavira é
uma cidade cheia de tradição e de história.
Já tinha
grande valor antes do Algarve passar definitivamente ao
domínio absoluto do Rei de Portugal.
Tavira
deve incluir no seu selo a referência às Armas do antigo
Reino do Algarve, referência honrosa e muito apreciável;
deve ter no seu chefe as cabeças do Rei Cristão e do Chefe
Mouro.
Tavira
tem a interessante referência na sua história, de ter sido
tomada pelos Cavaleiros de São Tiago, como vingança por os
seus habitantes mouros terem armado uma cilada a vários
Cavaleiros da mesma Ordem, sacrificando-os. Como prémio, foi
o senhorio e padroado da cidade, dado à mesma Ordem de São
Tiago.
Deve
portanto figurar no selo de Tavira, a Cruz de São Tiago.
Poucas
terras de Portugal terão o direito de ostentar no seu selo e
nas suas armas a Cruz dos grandes guerreiros da Ordem de São
Tiago, que tanto ajudaram a formar a Nacionalidade e a
alargar as fronteiras de Portugal.
O selo e
portanto as Armas e a bandeira da cidade de Tavira, deverão
ser pois assim constituídas:
– De
prata com uma ponte de sete arcos de vermelho entre duas
torres do mesmo, iluminadas de negro, sainte de um rio de
duas faixas ondadas de azul e uma de prata, seguidas de um
mar de quatro faixas ondadas de prata, alternadas com três
de verde. Vogando neste mar, um barco de negro realçado de
ouro, vestido de prata e mastreado e encordoado de negro.
– Em
chefe, uma Cruz de São Tiago, de vermelho, acompanhada de
uma cabeça de carnação branca coroada de ouro e uma cabeça
de carnação negra com turbante de prata.
– Coroa
mural de prata de cinco torres, por esta ser a coroa
indicada para a categoria de cidade.
–
Bandeira quarteada de oito peças de branco e de negro.
– Listel
branco com os dizeres a negro.
– Cordões
e borlas de prata e de negro
– Haste e
lança de ouro.
Os
esmaltes empregados, são os mais adaptáveis à história e
vida da cidade de Tavira, conforme passo a expor:
Ouro
indicado para realçar o barco, é o metal mais rico e
significa nobreza, fé, fidelidade, constância e poder.
A prata
indicada para o campo das Armas e para as velas do barco,
denota humildade e riqueza.
O
vermelho indicado para a Cruz, significa guerras a vitórias.
O negro
indicado para o barco, corresponde à terra e, portanto, ao
valor dos naturais, e significa firmeza e honestidade.
Como a
principal vida de Tavira foi devida ao seu rio e ao mar,
está o rio representado pelas faixas ondadas de prata e de
azul sob a ponte, e o mar está representado pelas faixas
ondadas de prata e de verde, onde se encontra o barco.
É assim
que heraldicamente se representam os rios e o mar.
Como a
peça principal, que é o barco, é de prata e de negro, a
bandeira deverá ser de branco (que representa a prata) e de
negro.
A
bandeira de seda, destinada a cerimónias e cortejos, deve
ter um metro quadrado.
O selo
deve ser circular, com a mesmas peças das Armas, mas sem
indicação dos esmaltes.
(a) Affonso de Dornellas.
(Texto
adaptado à grafia actual)
Fonte:
Câmara Municipal de Tavira.
Informação gentilmente cedida pelo Arquivo Municipal de
Tavira (uma palavra de agradecimento a Óscar Caeiro Pinto). |