Parecer apresentado por Affonso de Dornellas e
aprovado em sessão de 3 de Fevereiro de 1926, pela Secção de Heráldica
da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Com origem particular, apareceu há tempos na
Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses, um pedido
para serem estudadas as armas e o estandarte da tradicional e histórica
Cidade de Santarém.
Está de há muito estabelecido na mesma Secção de
que só se formularão pareceres em face de pedidos oficiais e então,
seguindo esta praxe solicitou-se que oficialmente fosse este caso
tratado.
De facto assim sucedeu e nos seguintes termos:
Câmara Municipal de Santarém. N.º 403. Proc.
22. Exmo. Sr. Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Lisboa. Encarregado pelo Senado Municipal deste Concelho, na sua Sessão
de 4 do corrente, venho por esta forma muito reconhecidamente, em nome
da Câmara, agradecer a solicitude com que pela Associação da sua mui
digna Presidência, foi recebido o pedido, embora particular, do vereador
deste município Exmo. Sr. Francisco dos Santos Serra Frazão, acerca das
cores heráldicas do município de Santarém; se se pode adquirir o desenho
do verdadeiro e legitimo castelo heráldico; quais as cores e armas da
Vila de Alcanede, antigo concelho, e da antiga Vila e concelho de
Pernes, e como deveriam ser as do Pombalinho. Mais me encarrega o mesmo
Senado, de solicitar de V. Ex.ª a gentileza de me informar sobre as
conclusões a que chegou a Associação da sua digna presidência sobre o
assunto, favor este que antecipadamente em nome da Câmara muito
agradeço, desejando-vos Saúde e Fraternidade. Santarém, 9 de Julho de
1924. O Vice-Presidente da Comissão Executiva (a) António Pereira de
Magalhães.
Como se vê, deseja Santarém que lhe indiquemos
certos elementos para a ordenação das armas e deseja conhecer as cores
municipais, que serão tiradas das peças principais das mesmas armas.
Em pareceres especiais, trataremos das armas e
estandartes de Alcanede, Pernes e Pombalinho. Por agora tratemos de
Santarém.
Esta cidade, cheia de história e de tradições em
todos os tempos, pela sua situação especialíssima de se encontrar
naturalmente defendida, na margem do Tejo, como uma sentinela vigilante,
no caminho por terra e pelo rio entre Lisboa e o norte, faz parte da
história de Portugal desde a sua fundação, completando em 1947
oitocentos anos que está sob o domínio de Portugal.
De uma alta importância do tempo dos Romanos,
não querendo falar nas lendas que a cercam em eras mais remotas,
Santarém foi a capital de um dos quatro distritos em que se dividia a
Lusitânia Romana.
Ficava a fortaleza de Santarém na frente da
ponte sobre o Tejo que ligava a estrada militar de Lisboa a Mérida
capital da Lusitânia.
Passando por várias civilizações, Santarém
passou ao domínio Árabe no século VIII, conservando-se em poder de Godos
e Árabes alternadamente, até que a estes últimos foi tomada por D.
Afonso Henriques em 1147.
As armas de Santarém têm sido iguais a várias
outras que caracterizam outros domínios que, por terem também castelos,
passam a ser banalíssimas e a confundirem-se.
Felizmente já bastantes destas armas têm sido
estudadas pela Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos
Portugueses, que tem procurado diferenciá-las umas das outras, com
elementos que definam factos notáveis da vida das localidades que
caracterizam.
Rodrigo Mendes Silva, na sua obra «Poblacion
General de España sus Trofeos, Blazones etc, impressa em Madrid em
1645,» já nos descreve as armas de Santarém dizendo: = En escudo una
torre de tres baluartes sobre aguas; las Reales Quinas a la puerta.
= Depois, Fr. Leão de Santo Thomas, na sua obra «Benedictina Lusitana»,
impressa em Coimbra em 1651, descreve as armas de Santarém assim: =
Tem por armas hua torre com Ires baluartes, & hum rio ao pé & sobre a
porta do frontespicio da torre as armas Reays.=
Tanto um como o outro chamou torre a um castelo
e chamaram baluartes às torres. O primeiro disse muito bem que estavam
as quinas na porta e o segundo disse muito mal que na porta estavam as
armas reais.
É interessante acentuar que nas armas de domínio
que caracterizam as povoações portuguesas, quando se incluía por
qualquer circunstância uma referência às armas nacionais, nunca aparecia
a orla dos castelos, evidentemente por as quinas serem incontestável e
unicamente portuguesas. Os castelos são de origem Castelhana.
Pelo modo de dizer de Fr. Leão de Santo Thomas,
pode depreender-se que sobre a porta do castelo estavam as armas
nacionais completas.
As armas de Santarém, que nada têm do resto da
história da velha cidade, são hoje como eram no século XVII, quando
ainda não estava minuciosamente detalhada a sua história de forma a
poderem-se colher mais elementos para a ordenação das mesmas armas
tornando-as distintas de tantas outras que de longa data têm usado no
seu selo um castelo e até muitas vezes o mesmo escudo das quinas
encimando a porta.
É absolutamente necessário, tornar as armas de
domínio distintas umas das outras de forma a serem reconhecidas sem
dúvidas, em qualquer sítio que apareçam.
O castelo para as povoações que foram muradas e
a torre para aquelas que apenas tiveram uma fortaleza para a sua guarda,
é base corrente de inúmeras povoações portuguesas de fundação antiga.
Ignacio de Vilhena Barbosa na sua obra «As
Cidades e Villas da Monarquia Portugueza que teem brazão de armas»
impressa em Lisboa em 1865, tratando de Santarém diz: - Consiste o
seu brazão d'armas em um castello de prata com trez torres em campo
azul, e sobre um rio, tendo o castello por cima da porta o escudo das
quinas reaes.-
Percebe-se que cada um que vai escrevendo, vai
acrescentando alguma coisa da sua casa. Este apresenta-nos a cor azul
para o campo das armas e a prata para o castelo, em todo o caso já vai
dizendo que é um castelo com três torres.
Não quer isto porém dizer que esteja bem
descrito, pois heraldicamente bastava dizer que era um castelo, para se
ficar sabendo que tinha três torres.
Vilhena Barbosa, que se vê pela sua obra que
conhecia o trabalho acima citado de Rodrigo Mendes da Silva, pecou muito
por completar o que disse este autor com o que viu iluminado no códice
«Tesouro da Nobreza de Portugal» do Rei d'armas Índia, Francisco Coelho,
feito em 1675 e que pertencendo á livraria do Convento de Alcobaça veio
para a Torre do Tombo por volta de 1838, onde tem servido para espalhar
erros vários sobre as armas de domínio, que este Rei d'armas, ali
coleccionou por informação, na maioria dos casos, errada.
As cores empregadas nas armas de domínio,
iluminadas por Francisco Coelho, foram escolhidas sem qualquer critério,
naturalmente apenas para distinguir as peças uma das outras.
Por que razão é que o Castelo de Santarém é de
prata e o campo de azul?
Prata é um metal de segunda ordem indicando
riqueza, vencimento, humildade, eloquência, etc. Azul é um esmalte de
segunda ordem e significa zelo, caridade e lealdade.
Se não houvessem outros metais e outros
esmaltes, claro que não havia melhor, mas temos o ouro que significa fé,
fidelidade, poder etc., e temos o vermelho que representa vitórias,
ardis e guerras.
O Castelo de Santarém deve ser vermelho porque
de direito, as vitórias, os ardis e as guerras dão-lhe todas as
condições para heraldicamente ser assim representado.
O Campo das Armas deve ser de ouro porque o
poder e a fidelidade que tem demonstrado durante a sua grande história,
justificam perfeitamente o uso deste metal para o seu campo.
O Castelo deve assentar num terrado da sua cor
cortado por um rio de prata aguado de azul. O Tejo
deve ser, como aliás sempre tem sido,
representado nas armas de Santarém.
Foi Santarém, como acima disse, capital de um
dos quatro distritos da Lusitânia Romana portanto, na composição das
suas armas, deve figurar a águia estendida que simbolizou o Império
Romano, não esquecendo que tão importante a achou Júlio César, que a fez
cidade com o seu próprio nome.
Durante séculos foi Santarém uma notável cidade
Árabe e a esta raça de heróis, foi tomada por D. Afonso Henriques, que
assim, com este importantíssimo facto guerreiro, firmou a nacionalidade
portuguesa, portanto, pelo valor que esta circunstância tem na história
de Portugal, devem os crescentes muçulmanos figurar nas armas de
Santarém.
Proponho pois que o selo da cidade de Santarém e
portanto as suas armas sejam:
- De ouro com um castelo de vermelho com porta e
frestas de negro, tendo a torre central carregada por uma águia de
prata. O castelo assente num terrado de sua cor cortado por um rio
ondado de prata, aguado de azul. Chefe de vermelho carregado do escudete
das quinas acompanhado de dois crescentes de prata.
- Coroa mural de prata de cinco torres e as
armas circundadas pelo colar da Ordem da Torre e Espada com que Santarém
é agraciada.
- Bandeira com um metro por lado quarteada de
vermelho e de branco, tendo por debaixo das armas uma fita branca com os
dizeres «Cidade de Santarém» a preto.
[Affonso de Dornellas.]
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: DORNELLAS,
Affonso de, «Santarém», in Elucidário Nobiliarchico: Revista de
História e de Arte, I Volume, Número IV, Lisboa, Abril 1928, pp.
101-104.