Parecer apresentado
por Affonso de Dornellas à Secção de Heráldica da Associação dos
Arqueólogos Portugueses e aprovado em Sessão de 21 de Novembro de 1928.
Tendo visto em Abril
de 1925 no jornal «Diário de Notícias» que a Vila de Redondo ia escolher
para as suas armas um dos dois brasões existentes sobre as portas do
castelo local, imediatamente pedi ao autor do artigo, Sr. Manuel Luiz
Affonso, que desse todos os elementos existentes sobre o assunto e me
dissesse quais eram de facto as intenções da Câmara Municipal, pois
deveria adoptar umas armas próprias e não as nacionais ou as dos Condes
de Redondo que se encontravam esculpidas sobre as referidas portas.
Como resposta recebi
o seguinte:
- Redondo, 9 de
Abril de 1925. -Exmo. Senhor. - Acabo de receber a carta de V. Ex.ª de 6
do corrente a que respondo: Conheço apenas 1 exemplar da obra de A. F.
Barata, que me foi emprestada por uma pessoa desta Vila. Se conseguir
descobrir outro, poderei enviá-lo a V. Ex.ª e, em caso negativo,
interessar-me-ei para que me autorizem a ceder por alguns dias aquele
para que V. Ex.ª aí o veja e depois me o devolver. Vou mandar tirar a
fotografia que deseja e depois lhe enviarei. Sobre o brasão de armas
desta Vila, vou falar com o Sr. Presidente da Câmara e muito obrigado a
V. Ex.ª pelo seu interesse no assunto. Com muita consideração sou de V.
Exª M.to At.to V.ª e Ob. (a) Manuel Luiz Affonso.
Passado tempo, como
não tivesse recebido qualquer outra informação, tornei a pedir elementos
para estudo das armas locais, o que, naturalmente, despertou o ofício
que vou transcrever:
- Câmara
Municipal de Redondo, n.º 8. Redondo, 5 de Julho de 1928. Exmo. Sr.
Presidente da Associação dos Arqueólogos do Carmo Lisboa. Tomo a
liberdade de oferecer à Comissão da Digna Presidência de V. Ex.ª o
opúsculo junto que entre outras povoações do Alentejo trata da Vila de
Redondo e assim venho pedir a subida fineza de que essa Associação se
pronuncie sobre qual o escudo que deverá ser adoptado por esta Câmara. -
Saúde e fraternidade. - O Presidente da Comissão Administrativa (a) José
de Almeida Barrancos.
O opúsculo que
acompanhava este ofício tem na capa o seguinte:
O Alentejo
histórico, religioso, civil e industrial no distrito de Évora, Portel,
Redondo, Reguengos e Viana por A. F. Barata. Évora. Tip. Eborense de
Francisco da Cunha Bravo, 7, Travessa da Mangalaça. 7.1893.
A páginas 31
principia a monografia de Redondo, donde vou copiar a parte que
interessa à heráldica: -
- Da origem do
nome nada se pode escrever, se não referir a tradição de um penedo
Redondo, que havia no sítio onde hoje exista a Misericórdia.
É de crer que ali
já existisse povoação, quiçá moribunda desde a expulsão dos mouros, que
a senhorearam, como de ter sido povoada de romanos têm aparecido
vestígios nas proximidades da vila.
Não há, porém,
provas escritas que evidenciem provável existência muito além do ano de
1250, em que alguns escrevem, lhe dera foral D. Afonso III, sem,
contudo, disso haver certeza.
Que por ali
estacionassem antigos povos certíssimo é, pois que abundam naqueles
sítios os monumentos megalíticos, as antas ou dólmens.
Fazendo parte do
cordão de fortalezas que fomos forçados a opor às Invasões árabes e
castelhanas, ainda hoje tem em minas um castelo, que lhe mandou
construir D. Dinis em 1319, quando por então povoara a vila.
Sobre a porta da
Ravessa, ou do Sol no castelo, ainda permanece uma inscrição em gótico
monacal, sobrepujada dos cinco escudetes das armas reais portuguesas,
que diz assim:
E. DE: MIL: CCCL : VII AN
OS : FOI : COMECADO :ESTE
CASTELLO
Nos três espaços
entre os escudetes do escudo a começar da direita para a esquerda há
umas letras um tanto fantasiosas, que parece não poderem ser outras:
Vº CLO
P.º FASTEL
FO
e que, sendo-o,
se poderão ler: Vicente Coelho, Pero Fastel e João, talvez comemoração
dos nomes dos arquitectos da fortaleza ou dos Vereadores e Procurador do
Concelho. O apelido Fastel dá a lembrar um artista árabe, dos que
ficariam pelo país.
Como fácil é a
leitura da inscrição sobposta ao escudo das armas portuguesas, assim
emperrada é a dos caracteres abreviados acima postos.
Temos, pois, a D.
Dinis como fundador daqueles muros, que ainda hoje cercam parte da velha
Redondo, quando andava a era de César de 1357 e o ano de Cristo de 1319.
Lugar próprio é
este para tratar de um assunto que deve interessar ao Redondo histórico,
e guerreiro, filho da dinastia de Afonso, e fidalgo, como ela: é o do
seu brasão de armas.
Não. o tem a
Câmara e vila actualmente; mas já o teve, e deve tê-lo ainda, como
título de sua nobreza indisputável.
Sobre a porta da
Ravessa existe, como claro fica, um brasão de cinco escudetes das armas
portuguesas, cercado de vinte e sete castelos, e sobre a porta do
Postigo, a principal do castelo, existe outro, entre duas colunas.
composto de um escudo com cinco estrelas de cinco raios cada uma, sem
timbre nenhum. Representa este o primeiro escudo de armas do donatário
da vila. em 1500. O Conde de Redondo, D. Vasco Coutinho, como o
referido, o da porta do Sol ou Ravessa poderá ser o Brazão de armas da
vila.
No cartório dos
frades da Serra da Ossa houve um documento, cuja suma diz que: «entre a
porta da Ravessa, sendo Juízes Lourenço Martins e. Estevam Rodrigues. e
Vereadores Afonso Fernandes de Pomar e Estevam Infante, e Procurador
Agostinho Annes Serveiro, se lavrou carta de doação de algumas terras do
concelho na Serra da Ossa, aos Pobres Ermitães que nela viviam. Feita a
carta por Lourenço Afonso, e sellada com o sello do concelho, em 13 de
Novembro da era de 1428 (1390).
O selo do
Concelho deve ser, com a maior probabilidade, o mesmo que lá está na
porta do Sol.
Bem faria a
Câmara actual em o chamar à vida, o brasão de suas armas, que de dois
modos pode ser; 1.º - A cópia fiel do que está sobre a porta da Ravessa,
circundado das palavras: selo do Concelho do Redondo; 2.º - o brasão do
primeiro donatário da vila, que está sobre a porta do Postigo.
pondo-se-lhe por timbre um leão à direita com uma estrela das armas na
juba no peito, e na garra direita, erguida, uma coroa de verdura e
flores, com a mesma inscrição em volta da oval.
Não faria coisa
nova a Câmara Municipal, pois que outras o tem feito, como a do Góis, no
Distrito de Coimbra, que adoptou por suas as armas do primeiro donatário
daquela vila em tempo do primeiro Afonso, as de D. Antão Estrada. que
mais tarde entraram nas do Conde de Sortelha. –
O resto da
monografia não tem interesse para a parte heráldica e o que fica
transcrito apenas tem interesse para ser contestado de forma a que não
possa haver dúvidas de que contem bases mal fundamentadas.
O Sr. António
Francisco Barata, autor da referida monografia, foi conservador da
Biblioteca de Évora e autor de dezenas de trabalhos bem conhecidos dos
estudiosos.
Nunca se dedicou ao
estudo da heráldica, parecendo que considerava as armas de uma família
ou de uma terra, como objecto do domínio público susceptível de ser
usurpado, alterado e até aplicável ao que melhor nos parecesse.
Isto não era defeito
do mesmo Sr., era uma regra quási adoptada pelos estudiosos portugueses.
Continuo, portanto,
a repetir que a heráldica tem andado muito maltratada em Portugal.
Analisemos,
portanto, muito abreviadamente, o que acima transcrevi:
Se sobre a porta da
Ravessa ou do Sol, existe uma inscrição que diz que na era
de 1357 foi começada a construção do Castelo e, se se sabe que este
Castelo foi construído pelo Rei D. Dinis, não será claro que as armas
que ali se vêem e que são as armas reais da época, representam o selo de
D. Dinis, visto ser uma obra sua?
Mesmo que o castelo
fosse de construção particular e tivesse por cima d'uma porta as armas
reais de Portugal, queria dizer que estava pelo Rei de Portugal; é como
se fosse a bandeira portuguesa, pois antigamente não era costume arvorar
as bandeiras como hoje se faz em dias de festa. A bandeira que apenas
era constituída pelas armas nacionais, exactamente como o selo real, era
colocada esculpida em pedra por cima da porta ou de uma das portas de
entrada e tinha e nome de bandeira. Era a bandeira da nação a que o
castelo pertencia.
Ainda hoje chamamos
bandeira aos vidros ou ornamentações que se costumam colocar por cima
das vergas das portas.
As Vilas ou Cidades
desde que tinham foral, tinham que ter uma casa para reunir o senado, um
pelourinho para mostrar que ministravam justiça e o selo para autenticar
os editais.
Esse selo era
bordado em seda para acompanhar como estandarte a Câmara Municipal e era
esculpido em pedra, para, com o nome de bandeira, ser colocado por cima
das portas dos edifícios que fossem propriedade da mesma Câmara.
O selo de uma vila
ou de uma cidade é assumido pela Câmara Municipal, representando nele
elementos da história e da vida local para ser bem distinto de todos os
outros selos.
Como é portanto que
a Vila de Redondo poderia adoptar as Armas Nacionais, aquelas que o
poder central empregou para selar os seus documentos, usou como
estandarte e mandou esculpir como bandeira sobre as portas dos edifícios
do Estado?
Claro que é
impossível e até esquisito.
Não terá Redondo
história suficiente para criar as suas armas?
Necessitará adoptar
as Armas Nacionais para o seu selo?
Claro que não. Além
disso as Armas Nacionais não podem ser adoptadas seja por quem for,
porque são do uso privativo do poder central e ninguém mais pode fazer
uso delas. Se alguém as empregar indevidamente comete um abuso e
sujeita-se a sofrer as consequências.
Agora, outra parte
da questão:
Sobre a porta do
Postigo existem as armas dos Coutinhos por D. Vasco de Menezes Coutinho,
o bravo herói de África, ser elevado a Conde de Redondo, portanto, seu
Senhor e seu Alcaide-Mor. Por esta circunstância, ou seja porque
circunstância for, as armas dos Coutinhos são dos Coutinhos e não da
Vila de Redondo, que, para nada necessita usurpar as armas de uma
família para usar como selo e como estandarte.
Como já disse a
história de Redondo é bem antiga bem interessante, portanto fértil em
elementos para constituir umas armas muito suas.
Teve Redondo as suas
armas conforme nos demonstra o Sr. A. F. Barata, citando a carta de
doação datada em 13 de Novembro de 1390, mas podemos garantir que não
eram as armas nacionais que se vêem na porta do Castelo.
Eram com certeza
armas próprias como eram nesse tempo todas as armas das cidades e das
vilas.
Perderam-se
naturalmente as Armas de Redondo quando se perderam as de muitas outras
terras.
Quando o Rei D.
Manuel I, quis normalizar a administração pública e sujeitar portanto a
vida geral do país a uma regra tão igual quanto possível, visto que cada
terra tinha o seu foral com seu feitio, nomeou uma comissão por carta de
22 de Novembro de 1497, para recolher todos os forais, tombos e
escrituras e tudo o mais quanto houvesse para o bom conhecimento da vida
de cada vila ou cidade e para em seguida formular novos forais.
Assim foi e assim se
perderam muitos usos e costumes que havia de longa data, por terem
desaparecido dos arquivos municipais todos os documentos.
O selo de Redondo
desapareceu, não havendo dele noticia.
Rodrigo Mendes da
Silva, autor da Población General de España, sus trofeos, blasones,
etc., Madrid. 1645, obra que levou onze anos a fazer, sendo portanto
começada em 1634, indica as armas de todas as cidades e vilas
portuguesas que por essa época as tinham.
De Redondo não
indica armas certamente por já estarem perdidas nessa época.
Não resta a menor
dúvida que teve o seu selo, já pelo documento acima citado já porque
teve foral dado por D. Dinis em Santarém, em 27 de Abril de 1318, que
está registado a folhas 118 verso do Livro III das Doações do mesmo Rei,
existente na Torre do Tombo.
Se o selo antigo
estava perdido, selo que devia ter sido criado a seguir ao foral de
1318, quando lhe foi dado o foral por D. Manuel I em 1516, com certeza
não tiveram a ideia de criar novo selo porque como fizeram outras terras
de Portugal, começaram erradamente a usar como armas locais os desenhos
que ornavam a primeira folha dos forais de D. Manuel e que geralmente
tinham, além das armas reais, esferas armilares ou cruzes de Cristo.
Enfim, cidade ou
vila que ao receber o foral de D. Manuel já tivesse perdido as suas
armas, nunca mais as organizou.
Voltando ainda aos
conselhos do Sr. A. F. Barata, tenho a dizer que não há o direito de
utilizar as armas nacionais, quer sejam as usadas em qualquer das
dinastias, quer as usadas actualmente pelo poder central, como também
não há o direito de usar as armas de uma família que foi senhora de
Redondo, apenas como prémio pelos serviços prestados em África e não
pelos serviços prestados em Redondo.
O Sr. A. F. Barata
ainda aconselha no caso de ser adaptado o brasão dos Coutinhos se lhes
usurpe também o timbre.
Ora os timbres eram
para se colocar no alto dos elmos para se diferenciarem os Cavaleiros
uns dos outros.
As Câmaras
Municipais não têm direito a timbre, visto que é um emblema apenas para
ser usado por pessoas e não por colectividades. As cidades e as vilas
têm a coroa mural para as distinguir.
O exemplo
apresentado pelo Sr. A. F. Barata, para serem adaptadas as armas dos
donatários como selos e estandartes das Câmaras Municipais, citando a
Vila de Góis, não pode servir de norma. A mesma circunstância que se dá
de um selo municipal não se poder confundir com o selo do Poder Central
e vice-versa, também se dá com os selos das famílias.
As armas da família
Coutinho, são o seu selo e não o selo de Redondo.
Como poderia ser
lógico que a Vila de Redondo tivesse um selo igual ao da Família
Coutinho?
Que necessidade
haveria nisso?
O exemplo de Góis
apresentado pelo Sr. A. F. Barata tem muita graça porque também foi
aconselhado por ele aquela Vila. O Sr. Barata era natural de Góis.
Enfim, para terminar
com estas considerações que apenas tiveram razão de existir para mostrar
aos naturais de Redondo que o Sr. A. F. Barata não conhecia as leis da
heráldica, apesar de ter sido um grande estudioso de outros ramos de
história, vou expor qual é a minha opinião sobre a organização das Armas
e por conseguinte do selo e do estandarte da antiquíssima Vila de
Redondo.
A história diz-nos
que já o Viriato tinha uma torre de vigia ou almenara· no outeiro de S.
Gens, no termo do Redondo, torre que por vezes foi o seu quartel general
e que Sertório também utilizou a mesma torre contra os Romanos.
D. Dinis, como acima
disse, também construiu ou reconstruiu uma fortaleza para defesa da Vila
de Redondo, portanto, com tamanhas tradições, parece-me que deve figurar
nas Armas de Redondo uma torre torreada, atendendo a que, apesar de ser
um castelo importante aquele que defendeu Redondo, não era uma fortaleza
que cercasse a Vi lia, porque então, deveria representar-se nas armas,
não a torre torreada, mas um castelo.
Como a região de
Redondo é bastante fértil e rica e, como entre a sua produção se conta
de longa data a fabricação de cera e de mel além de muitas outras
indústrias, seria interessante que nas suas armas, além da torre
torreada, que representa a parte histórica, figurassem abelhas como
representação da riqueza local.
Portanto, obedecendo
às leis da heráldica, vamos propor a organização das Armas e estandarte
da Vila de Redondo da seguinte maneira:
- De azul semeado de
abelhas de ouro com uma torre torreada de vermelho aberta e iluminada de
ouro sobre um terrado de negro.
Coroa mural de prata de quatro torres.
Bandeira com um metro por lado esquartelada de vermelho e de amarelo,
tendo por debaixo das armas uma fita branca com letras pretas. - Cordões
e borlas de ouro e vermelho. lança e haste de ouro.
Proponho o azul para
o campo por este esmalte representar a lealdade. O ouro para as abelhas
por este metal em heráldica representar a fé e o poder. O vermelho para
o castelo por este esmalte significar vitórias, ardis e guerras. E, como
o castelo seja vermelho, aberto e iluminado de ouro e as abelhas também
deste metal, e como são estas as peças principais das Armas, deverão ser
estas as cores do estandarte. As cores das bandeiras, dos cordões e das
borlas são sempre as das peças principais das armas dos mesmos
estandartes.
Proponho que o
terrado seja de negro porque este esmalte representa a terra e significa
honestidade.
A coroa mural de
quatro torres significa a categoria de Vila.
[Affonso de Dornellas.]
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: DORNELLAS,
Affonso de, «Redondo», in Elucidário Nobiliarchico: Revista
de História e de Arte, II Volume, Número II, Lisboa, Fevereiro 1929, pp.
51-54.