Parecer apresentado por Affonso de Dornellas à Comissão de Heráldica da
Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão de 7 de Maio
de 1935.
Pela Direcção Geral
de Administração Política e Civil do Ministério do Interior, foi pedido
à Associação dos Arqueólogos Portugueses que se estudassem as armas,
bandeira e selo da vila de Mértola.
Num ofício enviado
pela Câmara Municipal respectiva à mesma Direcção Geral, vem a descrição
da bandeira que ali conservam e que é azul com umas armas compostas por
um cavaleiro que a tradição diz ser São Tiago. – Na outra face da
bandeira têm as armas nacionais. Ainda do mesmo ofício consta que no
edifício dos Paços do Concelho, no frontispício, existem esculpidas as
mesmas armas.
O selo antigo
consiste na reprodução das mesmas armas, tendo dois martelos no canto
direito do chefe. O selo moderno consiste nas armas nacionais. No papel
do referido ofício, também vem as mesmas armas no canto superior
direito. –
A mais antiga
referência que encontro sobre as armas de Mértola, tal como são usadas
pelo respectivo município, consta do “Thesouro da Nobreza”, manuscrito
iluminado e datado de 1675 (mil seiscentos e setenta e cinco), atribuído
ao Rei d’armas Índia, Francisco Coelho, e que se conserva no Arquivo
Nacional Torre do Tombo.
Este livro não
constitui uma matriz oficial, sendo apenas uma colecção de armas que o
seu iluminador ali incluiu, sem se decifrar muitas vezes a razão. Em
todo o caso é útil.
Não é novidade
aparecerem cavaleiros nas armas das cidade e vilas do Alentejo, onde as
ordens de cavaleiros tantos serviços prestaram, sucedendo isso nas armas
de Évora, de Elvas, de São Tiago do Cacém, Ourique e não sei se em mais
alguma.
Nota-se porém o
cuidado que houve de diferenciar estas armas colocando nas de Évora,
duas cabeças cortadas e o cavaleiro entrando numa porta; nas de Elvas, o
cavaleiro com uma lança arvorando uma bandeira; nas de São Tiago do
Cacém, o cavaleiro espadeirando mouros; nas de Ourique, o cavaleiro
acompanhado por duas torres e pelo sol e pela lua e, finalmente, nas de
Mértola, o cavaleiro acompanhado de dois martelos.
Qual teria sido a
intenção de incluir os dois martelos nestas armas? Significando qualquer
facto histórico local ou teria sido com o intuito de tornar as armas
falantes, encontrando uma ligação ou aproximação fónica entre martelo e
Mértola?
O martelo existe
desde existe a humanidade, tendo uma época em que constituiu uma
terrível arma de guerra.
O martelo tem
portanto uma grande história e várias significações simbólicas.
Nas armas de Mértola
vê-se que o cavaleiro avança com energia, de espada alçada estando os
martelos exactamente na frente do cavaleiro, arrumados ao canto direito
do chefe.
Mértola foi cabeça da
ordem de São Tiago desde Dom Sancho segundo a Dom João primeiro,
duzentos anos aproximadamente, sendo de facto muito interessante que um
cavaleiro da mesma ordem simbolize essa vila, perpetuando o facto
histórico de ali ter sido a sede da ordem de Santiago.
Na antiguidade
chamava-se martelo, aquele que tinha por missão destruir hereges, ou o
que insistia numa acção boa, tendo para isso de sufocar ou acabar com
uma coisa que era má.
A ordem de Santiago,
tinha por missão estar em guerra aberta e permanente contra os mouros,
mesmo com risco iminente da vida dos respectivos cavaleiros.
Estão pois
absolutamente bem ordenadas as armas da vila de Mértola e até a posição
dos martelos foi muito bem escolhida, porque indica a intenção do
cavaleiro de Santiago.
Vejamos agora como
devem ser esmaltadas estas armas e por conseguinte quais as cores da
bandeira:
Armas – De negro, com
um cavaleiro de armadura, casco e manto de prata, espada alçada do mesmo
metal na mão direita e no braço esquerdo um escudo também de prata,
carregado com uma cruz de Santiago de vermelho, tudo realçado de negro,
montado num cavalo de prata empinado e selado e enfreado de negro
realçado de ouro. No ângulo direito do chefe, dois martelos de prata.
Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres
“Vila de Mértola” de negro.
Bandeira –
Esquartelada de branco e de vermelho. Cordões e borlas de prata e de
vermelho. Haste e lança douradas.
Selo – Circular,
tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes e em
volta, dentro de círculos concêntricos, os dizeres “Câmara Municipal de
Mértola”. –
Como os esmaltes de
maior representação das armas são de prata e vermelho, a bandeira é
esquartelada de branco (que representa a prata) e de vermelho.
Quando destinada a
cortejos e cerimónias, a bandeira tem um metro quadrado e é bordada em
seda.
A coroa mural é de
prata de quatro torres, como forme está determinado que se caracterizem
as vilas.
O negro do campo e do
realçado das peças, simboliza heraldicamente a terra e significa
firmeza, obediência e honestidade.
A prata das
diferentes peças, denota, heraldicamente, humildade e riqueza.
O ouro que realça as
peças referidas, significa nobreza, fé, fidelidade e poder.
O vermelho da cruz de
Santiago, além de ser o esmalte dessa cruz, significa heraldicamente
vitórias, ardis e guerras.
E assim, ficam bem
simbolizados a história local e os seus naturais.
Se a Câmara Municipal
de Mértola, concordar com este parecer, deverá transcrever na acta a
descrição das armas, da bandeira e do selo, e enviar uma cópia
autenticada dessa acta acompanhada de desenhos rigorosamente feitos da
bandeira e selo, ao senhor Governador Civil, com o pedido de enviar
todos esses elementos para a Direcção Geral de Administração Política e
Civil do Ministério do Interior para, no caso do senhor Ministro
aprovar, ser publicada a respectiva portaria.
Lisboa, Abril de
1935.
Affonso
de Dornellas.
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: Câmara
Municipal de Mértola, Livro de Atas da Câmara Municipal de Mértola
(Comissão Administrativa), de 05-04-1933 a 10-07-1935, pp. 231-232v.
(PT-AMMTL-CMMTL-B-A-001-0047), Acta da sessão ordinária de 5 de Junho de
1935. |