Parecer apresentado por Affonso de Dornellas à Secção de Heráldica da
Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão de 12 de
Novembro de 1930.
A Câmara Municipal da
Lousã, desejando que seja estudado o seu selo e, por conseguinte as suas
Armas e a sua Bandeira, dirigiu-se à Associação dos Arqueólogos nos
seguintes termos:
Câmara Municipal
do Concelho da Lousã — N.º 267 - Lousã, 11 do Abril de 1930.
Ex.mo Sr.
Presidente da Associação dos Arqueólogos, Lisboa.
A Câmara da minha
presidência resolveu em sua sessão de ontem solicitar dessa erudita
Associação os esclarecimentos necessários para poder mandar fazer um
estandarte Municipal — Junto envio a V. Ex.ª uma gravura do que consta
ser o brasão desta antiga vila e que parece foi tirado de outro
encontrado na Biblioteca Pública do Porto, pedindo também a V. Ex.ª que
essa ilustre Associação se pronuncie sobre a autenticidade do mesmo. —
Não tenho outros elementos nem no arquivo da Câmara eles existem que
possa fornecer a V. Ex.ª —
Saúde e
Fraternidade. —
O Presidente, (a)
Eugénio de Mascarenhas Viana de Lemos.
Este ofício vinha de
facto acompanhado de um brasão contendo um castelo acompanhado por um S
e um I, e tendo em volta os dizeres “Da Camera de V.ª Lov Sam”.
Para mais
esclarecimentos vou transcrever do jornal da mesma vila “A Voz da
Comarca”, de 19 de Junho de 1930, o seguinte:
Brasão da Lousã. —
Por acharmos da maior oportunidade e desejarmos arquivar nas nossas
colunas a douta opinião do ilustre lousanense, erudito professor e
inteligência duma cultura superior que é o Ex.mo Senhor Álvaro Viana de
Lemos, publicamos a seguinte carta:
“Coimbra, 9 de
Maio de 1930
Meu Caro Eugénio
Sei que estás na
presidência do Município e que te empenharás em por no são o assunto
“Brasão” e “Estandarte” Municipais. Abeirando casualmente o assunto numa
conversa que nas férias da Páscoa tive em Lisboa com o Senhor Affonso de
Dornellas, ele disse-me que havia sido expedida ou ia ser expedida uma
circular emanada das instâncias superiores pedindo para todos os
Concelhos nota do que sobre o assunto brasões e estandartes se soubesse.
Tendo-lhe eu historiado a consulta que aí por 1900 fizera, por indicação
do Aníbal Pipa Fernandes Tomás, à Biblioteca do Porto, sobre um
manuscrito onde havia descrição e desenho do Brasão da Lousã — ele
declarou-me conhecer o dito manuscrito que por ser cópia ou composição
sem escrúpulos não merecia crédito algum à crítica histórica. Desse
desenho do manuscrito que reproduzi cheguei a mandar fazer uma gravura
que aí ficou pela tipografia do Júlio e a esta hora deve estar perdida.
Com as palavras do Diálogo 16 da “Miscelânea” de Miguel Leitão de
Andrade e a minha divulgação inconsciente do manuscrito se formou a
lenda do brasão da Lousã. — Foi desse desenho que o Luís de Pinho compôs
também a marca para os seus licores.
Segundo o que me
lembro de ter noutros tempos investigado, a Lousã foi sempre um
Município via reduzida, sem grande consciência ou entusiasmo pelos seus
“fueros” e portanto também pelos sinais heráldicos da colectividade.
Teve donatários, que nomeavam as autoridades locais e pertencem
directamente à coroa; e portanto lógico seria que os brasões que usasse
nas suas chancelas e as bandeiras ou sinais que usasse nos seus
problemáticos terços fossem única e exclusivamente as que usavam esses
senhores ou o rei. — Sobre estas coisas mais nada lhes sei dizer, e como
de há muito tudo isso muito discretamente me interessa, já estou for a
das pistas de quaisquer investigações históricas de género clássico.
Antecipo-me com este arrazoado por me lembrar que poderiam estar a
contar com as minhas luzes históricas que nunca foram grandes nem
consistentes e hoje são quase nulas. Se alguma coisa tentarem porém
fazer para fixarem brasão e estandarte, o melhor será entregar-se ao
Dornellas que é a pessoa mais competente entre nós, pedindo-lhe
confeccionar o que achar de mais apropriado tendo em consideração os
donatários, as actividades locais, a indústria (a do papel há dois
séculos), a Serra, o Castelo, etc., que possam figurando dar uma nota
característica e verdadeira. No estrangeiro usam também as cores, digo,
a escolha das suas cores locais. As palavras do tal manuscrito n.º 273
na parte que se refere à Lousã são as seguintes:
Tem por armas hu
Castelo q he o de Arouce aonde antigamente era a vila, com um S e um I
que parece he Sigilu porq assi está no sello da Camera. Assi o afirma
Miguel Leitão na sua Miscellanea, dialogo 16 infine…Na nota diz ainda…
Estas armas com estão pintadas assi anda no sello da Camara co sualetre
circular (da Camera da vi.ª da Lousan). Desculpa caro Eugénio como isto
vai dito e escrito, mas não me sobra tempo para fazer copiar outra, nem
eu já me posso ocupar destas coisas. Trata-se de um descargo de
consciência para não ficar às costas com a responsabilidade de ter
concorrido para que a terra fique com o brasão ou estandarte que nada
dignifique ou lhe não pertença.
Teu primo e amigo
Álvaro.
Rua Montes Claros
M. G.”
Analisando algumas
passagens destes elementos, direi que há várias colecções de Armas de
Domínio na Biblioteca do Porto, na de Lisboa, na Torre do Tombo e até em
bibliotecas e arquivos particulares, feitas em diversas épocas, onde há
muito de aproveitável e também muita fantasia e muito engano.
Nunca houve um
registo oficial da heráldica de domínio, visto que esta espécie de
heráldica foi sempre com raríssimas excepções, assumida pelos Municípios
por deliberação dos membros das Câmaras conforme lhes era aconselhado
por algum heraldista ou ainda como natural e instintivamente estivesse
indicado.
Ainda se essas
colecções de Armas de cidades e vilas tivessem alegações aceitáveis para
a ordenação das Armas respectivas, sempre o coleccionador nos
transmitiria o resultado de um estudo ou enfim de uma razão, mas
apresentar apenas uma série de armas, pondo-lhe por baixo o nome de uma
povoação, podem ser elementos colhidos directamente dos Municípios ou
colhidos por más informações.
Para a Lousã, um
castelo, parece-me exagero, porque, estudando a história desta
antiquíssima vila, não só lhe não encontramos castelo como não
encontramos quaisquer factos guerreiros que demonstrem a necessidade de
o ter.
Na antiga povoação de
Arouce é que houve um castelo de que existem ruínas, havendo opiniões de
que, abandonado o local onde estão essas ruínas, a povoação se
estabeleceu onde hoje a vila da Lousã, adoptando este nome nessa
ocasião. É uma opinião. E desse mesmo castelo, pouco mais se sabe de que
existiu e que dele ainda restam ruínas.
Num país como
Portugal, onde existem tantos castelos que tantas páginas encheram da
nossa história, parece que só deve ser utilizada a sua representação
heráldica para as Armas das cidades e das vilas que mantiveram lutas
para o alargamento de fronteiras e manutenção da independência.
Não julgo portanto
que se deva aconselhar à Câmara Municipal da Lousã que inclua um castelo
na ordenação das suas armas. Continuando a analisar o conteúdo da
referida carta, diz a mesma que sendo a vila da Lousã de seu donatário e
até da coroa, deveria usar as Armas e as bandeiras dos mesmos donatários
ou do Rei.
Não está certo.
As Armas dos
donatários pertencem à heráldica de família que nada tem com a heráldica
de domínio.
As Armas do Rei,
constituem o emblema nacional que só podia ser usado pelo Estado. E
mesmo, como poderia o donatário selar os seus documentos com o mesmo
selo que usava a Câmara Municipal e vice-versa?
O selo é a garantia
de uma entidade ou de uma colectividade e não, a garantia de várias
entidades ou colectividades, porque então perderia o significado do
selo.
As armas e a bandeira
nacionais são para simbolizar Portugal, levando a toda a parte do mundo
a nossa representação.
As armas e as
bandeiras municipais, são para simbolizar o território dominado pelo
respectivo Município, marcando a autonomia local.
Todas as cidades e
vilas de Portugal, pela sua história militar ou civil, pelas suas
circunstâncias especiais de indústria, agricultura ou ainda pelos
monumentos que possui, têm sempre motivos suficientes para ordenar
heraldicamente as suas armas, sem necessitar de abusivamente usurpar as
armas que simbolizam a nação ou qualquer família.
Terminando por aqui
estas apreciações e voltando às armas atribuídas à Lousã, com a
representação de um castelo, poderei informar que tais armas não têm
sido citadas pelos heraldistas do domínio.
O mais antigo
trabalho impresso que trata desta heráldica é a “Poblácion General de
España, sus trofeos, blasones, etc., por Rodrigo Mendes da Silva. Madrid
1645” que não indica as armas da Lousã ou de Arouce.
Os outros conhecidos
e que se lhe seguiram, também não indicam as armas da Lousã.
Em 1855, a Câmara
Municipal de Lisboa teve, a ideia, que afinal não chegou a realizar, de
publicar um livro com as armas das cidades e das vilas, para o que
distribuiu uma circular.
Entre as muitas
respostas que se encontram arquivadas na mesma Câmara, vou transcrever a
de Lousã:
CÂMARA MUNICIPAL
DA LOUZÃ — N.º 123.
Ilustríssimo
Senhor.
Achando esta
Câmara na Secretaria da mesma um oficio do Ex.mo vereador dessa capital
Aires de Sá de Nogueira com data de 23 de Setembro ultimo em que
pretendia se lhe enviasse o brasão genuíno das armas de que usa e
informando o secretario que tal oficio se achava por cumprir, julgo do
meu dever levar ao conhecimento da Câmara a que V. Ex.ª preside o
seguinte:
A vila da Louzã é
uma das mais antigas da monarquia portuguesa.
A mesma vila tinha
antigamente o nome de Arousse — e se mudou para Louzã — e neste nome se
conserva. Tem castelo do tempo dos Mouros ou godos, que estavam senhores
dos muitos sítios de Portugal e que se conquistou por valentes
portugueses — A Câmara desta vila tem o título e goza da Alcaidaria Mor
do Castelo. — As antigas Câmaras quando entravam, iam ao castelo tomar
posse, abrindo e fechando as portas dele e prestando juramento de o
defender e ao Rei e à Pátria.— Foi a senhorio e donatário desta vila o
ex-duque de Aveiro, e pela traição contra El-Rei D. João passou para a
Coroa de quem se pagavam foros e outros direitos hoje extintos. — As
armas desta Câmara foram sempre as do cunho português.
Deus guarde a V.
Ex.ª.
Lousã, 24 de Março
de 1856
Ilustríssimo e
Ex.mo Sr. Presidente da Câmara de Lisboa.
O presidente da
Câmara.
(a) Francisco
António Pires Serra
Deve portanto ser
fantasia o atribuir-se um castelo para simbolizar a Lousã já pelas
circunstâncias de carácter histórico que citei, já porque não aparece
tal simbologia nos estudiosos da matéria.
O território dominado
pelo Município da Lousã, tem uma circunstância muito apreciável que
consiste na grande quantidade de ribeiros que o tornam duma fertilidade
admirável. É uma qualidade a simbolizar nas suas Armas, visto que é a
grande base da sua riqueza.
De facto a verdadeira
história da Lousã é a sua riqueza própria, é o seu solo privilegiado que
a torna rica e abundante em cereais e em tudo quanto a terra dá.
Ainda a Lousã veio
trazer à economia nacional uma manifestação da sua actividade, que foi a
fundação de um “engenho de papel”, como se dizia nos meados do Século
XVIII em que foi fundada.
Teve este engenho a
sua grande época, como primacial desta indústria em Portugal,
funcionando com a protecção do Estado que legislou em seu benefício.
Os obreiros dessa
interessante indústria da Lousã, chegaram a ter isenção dos serviços
públicos.
Chegado ao poder o
Marquês do Pombal, deu um enorme desenvolvimento a esse “engenho”, que
chegou a ter o exclusivo do fabrico do papel selado.
Hoje está incorporado
na Companhia do Papel do Prado.
A força motora do
Engenho de papel da Lousã, era a água que corria pelas ribeiras que
cortam o território do Concelho, indo, depois regar as terras para o
desenvolvimento dos cercais.
Temos pois elementos
de sobra para ordenar as Armas da Lousã que propomos sejam:
De negro com uma
banda ondada de prata e de azul, acompanhada por um rodízio de ouro com
oito pás do mesmo metal e por um molho de espigas de trigo de ouro atado
do verde. Coroa mural de prata de quatro torres.
Bandeira amarela e
azul. Cordões e borlas de ouro azul. Listel branco com letras pretas.
Lança e haste dourada.
O negro na heráldica
representa a terra e significa honestidade.
Os rios,
heraldicamente, são representados por faixas ondadas de prata e azul.
O rodízio, representa
a notável indústria do papel, é heraldicamente destinado a representar
os engenhos de água corrente.
Indico o ouro para
esta peça, porque é este o metal que representa a riqueza e significa
poder.
As espigas do mesmo
metal representam a agricultura local, uma das grandes riquezas da
Lousã.
Como o metal e a cor
das peças principais das Armas são o ouro e o azul, a bandeira deverá
ser esquartelada de amarelo e azul e portanto, de ouro e azul, os
cordões e as borlas; e a lança e haste, douradas.
A coroa mural de
quatro torres é a que está estabelecida para a categoria de Vila.
Affonso
de Dornellas.
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: antiga página
da Biblioteca Municipal da Lousã. |