Parecer apresentado por Affonso de Dornellas à Comissão de Heráldica da
Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão de 20 de
Novembro de 1934.
Em ofício de 19 de
Junho de 1930, a Câmara Municipal da Covilhã remeteu à Direcção Geral da
Administração Política e Civil do Ministério do Interior, reproduções
fotográficas das bandeiras, armas e selos da cidade, em satisfação à
circular de 14 de Abril do mesmo ano.
Nesses elementos
encontram-se as armas da Covilhã numa bandeira considerada antiga, armas
que devem ter sido bordadas no século XVIII e que constam de uma aspa
encimada por uma estrela de sete raios.
Na reprodução
fotográfica da bandeira, denominada moderna, aparecem as armas
esquarteladas, tendo no primeiro uma Cruz de Cristo, no segundo uma aspa
encimada por uma estrela de cinco raios, no terceiro as armas nacionais
sem estarem carregando a esfera e no quarto a esfera armilar. Estas
armas são encimadas por uma coroa real aberta e acompanhadas por dois
ramos, um de louro e outro de carvalho, atados em ponta.
As provas do selo que
acompanham estes elementos, incluem as mesmas armas encimadas por uma
coroa de conde.
Nas obras que incluem
estudos monográficos sobre as terras portuguesas, aparecem referências
às armas da Covilhã, indicando-as apenas com uma estrela, como sucede
com o mais antigo dos respectivos historiadores, Rodrigo Mendes Silva,
na sua obra “Poblacion General de España, sus trofeos, blasons, etc”.
Madrid 1645. Os estudiosos que se lhe seguiram indicam as mesmas armas,
mas fazem referência aos esmaltes, dando o azul para o campo e a prata
para a estrela que aparece com seis raios. E assim se têm copiado uns
aos outros, até aos últimos, apesar da Covilhã ter a referida bandeira
do século XVIII, já com a aspa, e a bandeira moderna, com as armas
esquarteladas e coroadas como referi, armas que devem ter sido assumidas
depois de 1870, data em que a Vila Notável da Covilhã foi elevada a
cidade.
Quando D. Manuel I
deu os forais, denominados novos, às diferentes cidades e vilas
portuguesas, com o intuito de modernizar e normalizar a vida
administrativa, dezenas de cidades e vilas mandaram esculpir nos
edifícios municipais, os emblemas que simbolizavam os mesmos forais.
Esses emblemas consistiam nas armas nacionais acompanhadas da Cruz de
Cristo e da Esfera Armilar ou de duas esferas armilares.
D. Manuel I, tendo
adoptado, ainda quando Príncipe, a esfera armilar para seu emblema
particular, depois de ser Rei, assinalou tudo em que teve interferência,
com o mesmo emblema, desde as primeiras páginas dos seus livros de
chancelaria, de mercês e de registos de qualquer espécie, dos forais que
deu, de tudo em que podia entrar iluminura, adoptando o mesmo emblema
nos objectos do culto, nas tapeçarias, nas fortalezas, nos templos,
enfim, a sua época e a sua acção ficaram bem marcadas com a Cruz de
Cristo, com as Armas Nacionais e com a Esfera.
Portanto, os
referidos emblemas não são privativos da Covilhã, nem de qualquer das
muitas outras povoações que tiveram foral idêntico e que mandaram
esculpir exactamente os mesmos emblemas aos edifícios municipais.
O selo municipal tem
apenas referências à história e à vida locais, não podendo, por forma
alguma, adoptar emblemas que lhe não pertencem.
O que tem sucedido na
Covilhã, sucede em muitas outras terras, preocupando-se todos em
encontrar nos emblemas de D. Manuel I, uma razão para simbolizar a sua
terra.
Foi este um dos
motivos porque o Ministério do Interior resolveu estabelecer umas
regras, para conseguir uma normalidade na heráldica de domínio e para
evitar que se cometam abusos, aliás, na melhor das intenções.
Uma das grandes
confusões que tem havido com a simbologia municipal, provém de se
utilizarem emblemas da heráldica de família que é distinta da heráldica
de domínio.
O caso presente é um
dos exemplos em que variadas confusões permitiram transtornar por tal
forma a simbologia da Covilhã que, afinal, nas armas que está usando vão
para 70 anos, pouco há que se refira à mesma cidade, além de outras
circunstâncias que são contra as regras da heráldica de domínio. Por
exemplo: a coroa de conde não pode ser utilizada como emblema municipal,
porque é um emblema pessoal. Não pode usar os ramos de louro e de
carvalho ou quaisquer outros, acompanhando as armas, porque só as Armas
Nacionais, quando utilizadas em selos ou quando assentes em bandeiras
militares, podem usar esses ramos. Não pode usar as armas esquarteladas,
porque essas divisões só podem indicar as diferentes gerações
ascendentes de quem as usa. O esquartelado é portanto da heráldica de
família e não da heráldica de domínio. Não pode usar as Armas Nacionais,
pois essas são do Estado e não de uma Câmara Municipal. Em casos
justificáveis, as Câmaras Municipais apenas poderão incluir as quinas na
composição das suas armas. Não pode usar a Cruz de Cristo nem a Esfera
Armilar, por não haver razão para isso, visto que são emblemas oficiais.
A Cruz de Cristo só é
incluída nas armas municipais quando a terra tenha prestado grandes
serviços àquela Ordem ou quando pertencesse à Ordem desde a fundação
desta.
A esfera armilar é um
emblema que faz parte das Armas Nacionais.
Quando os municípios
ou enfim, as cidades e as vilas são agraciadas com quaisquer ordens
honoríficas, são estas usadas pela parte de fora das armas, cingindo-as,
mostrando bem que é uma distinção.
Os emblemas de D.
Manuel I que no edifício municipal marcam que a antiga Vila tinha foral
dado por este Rei, têm uns ornatos que nada significam e que são
próprios das esculturas daquela época e daquela espécie, pois foram ali
colocados no princípio do século XVII.
Encontra-se porém
entre eles, uma estrela que, evidentemente, é referente ao emblema que a
citada obra de Rodrigo Mendes Silva, impressa em 1645, nos indica como
simbolizando esta Vila.
Tudo o mais, não só
as duas hastes como a carranca, é ornato.
Sucede porém, que a
bandeira antiga da cidade tem uma aspa de que se desconhece a
significação.
Em heráldica de
família, a aspa tem por significado o perpetuar as armas dos heróis da
tomada de Alarcon em 30 de Novembro de 1176 e da tomada de Baeça em 30
de Novembro de 1227, por este dia ser o de Santo André e a aspa
representar a cruz do martírio deste santo.
O que representará
essa aspa nas Armas da Covilhã? Será uma indicação errada dos ribeiros
que ladeiam a cidade?
Mas, esses ribeiros
não se cruzam.
Também aparecem
opiniões de que a aspa representa a Serra da Estrela. Mas, não
compreendo essa representação.
Entrando na história
antiga da Covilhã, encontramos talvez uma base para assentarmos
conjecturas sobre o aparecimento da aspa nas armas desta cidade.
Nos tempos primitivos
da Covilhã, mandada reedificar por D. Sancho I, que lhe deu foral e
vários privilégios, existia ali muita devoção por Santo André, existindo
até uma freguesia da invocação deste santo, sendo considerada uma das
mais importantes.
Desaparecida a mesma
freguesia, foi a Imagem de Santo André recolhida na Capela de São
Vicente, onde sempre lhe foi conservada a grande veneração que na
Covilhã data do princípio da fundação da Nacionalidade.
Teria havido algum
facto notável na história da Covilhã, passado em 30 de Novembro, dia de
Santo André?
Seria este santo
padroeiro da antiga Vila, ou das suas milícias?
É porém uma
interessante coincidência ter sido a freguesia de Santo André uma das
mais importantes da Covilhã e ser exactamente das primitivas freguesias.
Não será a aspa que
apareceu nas armas da bandeira antiga, referente a Santo André?
Só um estudo
minucioso de investigação feito neste sentido e nesta direcção nos
poderá confirmar tal facto.
Mas, afinal, estamos
a prender-nos com casos problemáticos, que não passam de insignificantes
ninharias perante o grande valor da Covilhã, a sua alta importância
industrial, a grande riqueza com que esta cidade entra nos verdadeiros
valores nacionais.
As armas de um
município são constituídas pela simbologia dos seus valores, da sua
história e da sua vida.
Primitivamente,
quando ainda não havia factos de valor para ordenar as armas municipais,
aproveitava-se o que existia, do que ainda há inúmeras provas e como
sucedeu na Covilhã que assumiu umas armas falantes, pois adoptou apenas
uma estrela por ter assento na serra deste nome. Aparece a aspa,
naturalmente referente a Santo André.
Mas a Covilhã
desenvolveu-se extraordinariamente, evolucionou os seus valores com
tanto patriotismo e com tal energia e actividade, que as suas armas
deviam ter também evolucionado, acompanhando o seu brilhante progresso.
As Armas Nacionais
começaram também por uma cruz azul que, depois de retalhe, ficou
transformada em cinco escudetes, passando estes depois a ser cercados
por uma bordadura vermelha carregada de castelos, sofrendo várias
alterações no número de besantes que carregam as quinas e no número de
castelos que carregam a bordadura.
Os próprios castelos
passaram a torres e são hoje outra vez castelos.
No tempo de D. João
I, foi-lhe adicionada a Cruz de Avis que se conservou nas Armas de
Portugal até D. João II. D. João VI assentou as Armas Nacionais sobre a
esfera armilar enquanto foi Rei do Reino Unido de Portugal e Brasil.
Actualmente voltou-se à fórmula de D. João VI, etc, para exemplo já
basta.
As armas da Covilhã
devem ser despidas de fantasias e de emblemas que nada dizem da sua
riquíssima vida industrial.
Está muito bem que a
estrela prevaleça para simbolizar a riqueza natural, regional, em alusão
à Serra da Estrela.
Os dois ribeiros, que
desde épocas remotas fazem mover os muitos engenhos que dão vida às
fábricas, também devem figurar, mas conforme as regras da heráldica,
assim como a sua extraordinária indústria de fiação e tecidos deve ter a
sua representação simbólica nas mesmas armas.
As armas de domínio
devem ser claras e fáceis de compreender; devem ser constituídas por
elementos que o povo entenda, visto que simbolizam a vida e a acção do
povo.
A heráldica municipal
é absolutamente popular e por esta circunstância não deve ser
enigmática. Tem de ser verdadeira e significativa dos valores honrosos.
As Armas antigas da
Covilhã tinham uma parte verdadeira que é a estrela e tinham uma parte
idealista que era a aspa que, no meu entender se referia a Santo André.
Pode haver muita
devoção por um Santo mas a par dessa devoção deve também haver um pouco
de razão histórica. Se Santo André tivesse nascido na Covilhã ou enfim,
se um facto muito importante se tivesse dado no dia que a Igreja lhe
destina para ser festejado, então haveria uma razão para que nas armas
da terra figurasse a aspa em sua homenagem, mas o facto é tão simples em
relação à história da Covilhã que não vejo motivo razoável para essa
representação.
Depois, vai talvez
para 70 anos, quando foi elevada a cidade, quiseram arranjar umas armas
parecidas com as de qualquer mortal. Esquarteladas, como se fossem
destinadas a representar os avós do tal mortal e ainda encimadas por uma
coroa de pôr na cabeça.
Sabemos que não é por
mal que estas coisas se fazem, mas sim pelo desconhecimento da forma de
fazer melhor e, principalmente, por não haver conhecimento do
significado das Armas municipais.
Foi por estes e
outros motivos que o Ministério do Interior resolveu estabelecer umas
regras para, dentro delas e em combinação com a Associação dos
Arqueólogos Portugueses, se chegar à melhor razão e se porem as coisas
no seu lugar com a melhor simbologia e estética heráldica.
A heráldica simboliza
os engenhos ou a força destinada à indústria, aproveitada pela água
corrente, por um rodízio com pás, para indicar que a indústria que
representa é ou foi inicialmente movida com a força da água livre.
Com a introdução
desta peça heráldica nas Armas da Covilhã e com a representação mais dos
ribeiros, fica simbolizada a história industrial desta importante
cidade.
Portanto, em
conformidade com a história e com os factos e, principalmente, segundo
as regras estabelecidas pelo Ministério do Interior, somos de parecer
que as Armas da Cidade da Covilhã devem ser assim ordenadas:
ARMAS – De azul com
uma estrela de seis raios de prata carregada por um rodízio de vermelho
realçado de ouro posta em pala. Em chefe e contra chefe, uma faixa
ondada de prata. Coroa mural de cinco torres de prata. Listel branco com
os dizeres “Cidade da Covilhã” a negro. Envolvendo o pé e flancos das
Armas, as insígnias das Ordens de Cristo e do Mérito Industrial,
suspensas das fitas, tudo de suas cores.
BANDEIRA – Quarteada
de quatro peças de branco e quatro peças de vermelho. Cordões e borlas
de prata e de vermelho. Haste e lança douradas.
SELO – circular,
tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes e em
volta, dentro de círculos concêntricos, os dizeres “Câmara Municipal da
Covilhã”. Envolvendo o selo, as fitas das Ordens de Cristo e do Mérito
Industrial suspendendo as respectivas insígnias.
Como as principais
peças das Armas são a estrela e o rodízio, a bandeira é branca (que
representa a prata) e vermelha. Para cortejos e outras cerimónias a
bandeira é de seda, bordada e com a área de um metro quadrado. A coroa
mural de cinco torres e a bandeira quarteada de oito peças, é o que está
determinado para simbolizar as cidades.
O campo das Armas da
Covilhã é de há muitos anos esmaltado de azul, cor que heraldicamente
significa zelo, caridade e lealdade.
A estrela e os rios
são de prata porque este metal na heráldica, denota humildade e riqueza.
O rodízio é de
vermelho, porque este esmalte significa vitórias, força, energia,
actividade e vida.
O rodízio é realçado
de ouro por ser este o metal mais rico na heráldica e que significa
nobreza, fé, fidelidade, constância, poder e liberdade.
Com estas peças e com
estes esmaltes ficam realçadas e dignificadas, a história da Covilhã e a
índole dos seus naturais.
No caso da Câmara
Municipal concordar com este parecer, deverá transcrever na acta a
descrição das Armas, da bandeira e do selo, e enviar uma cópia
autenticada dessa acta ao Sr. Governador Civil para ser remetida à
Direcção Geral da Administração Política e Civil do Ministério do
Interior para, se o Sr. Ministro concordar, ser publicada a respectiva
portaria.
Sintra, Setembro de
1934.
Affonso
de Dornellas.
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: página da
Câmara Municipal da Covilhã; arquivo da Comissão de Heráldica da
Associação dos Arqueólogos Portugueses. |