Parecer apresentado por Affonso de Dornellas na Secção de Heráldica da
Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão de 25 de
Abril de 1923.
Não só as Vilas e
Cidades que tem os seus Municípios na actualidade, tem o direito de ter
o seu brasão e portanto o seu estandarte pois que tem o seu selo.
As povoações que já
tiveram Município ou que não tendo assumido uma tão alta categoria, são
em todo o caso notáveis pela sua antiguidade ou pela sua importância
comercial, agrícola ou industrial, têm evidentemente toda a razão em
desejarem possuir o seu brasão e a sua bandeira que estará depositada na
sede da junta da freguesia, na regedoria ou enfim na posse da sua
autoridade. (*)
Já Colares, que em
tempos foi cabeça de concelho, solicitou da Associação dos Arqueólogos
que lhe fosse estudado o seu brasão, para o que as principais pessoas da
terra se reuniram deliberando nomear em um dos seus habitantes, o seu
delegado para levar a cabo tal pretensão.
Caria, povoação da
Beira Baixa, também deseja possuir o seu brasão e ter o seu estandarte.
É esta pretensão
muito razoável e muito apreciável em habitantes de povoações que pelo
seu esforço e actividade se sabem impor ao respeito e consideração das
povoações de maior condição.
É muito natural que
as Associações locais, de comércio, beneficência, recreio, etc., desejem
ter na sua bandeira o escudo da sua terra, ou terem o seu emblema
particular num estandarte com as cores da bandeira da sua terra.
Foi o Administrador
do Concelho de Belmonte, que parece quer fazer vibrar a nota patriótica
nas regiões do seu domínio, que veio pedir à Associação dos Arqueólogos
o seu auxílio neste sentido, e, depois de receber o croquis do brasão
para Belmonte, dirigiu à mesma científica instituição o seguinte ofício:
– Serviço da
República. – Administração do Concelho de Belmonte. – N.º 26. – Belmonte
20 de Fevereiro de 1923. – Ao Ex.mo Sr. Presidente da Direcção da
Associação dos Arqueólogos Portugueses. Edifício Histórico do Carmo. –
Lisboa – Caria, freguesia deste concelho, distrito de Castelo Branco,
foi também em tempo sede de Concelho. Ignoro se teria Brasão e Bandeira
própria e por tal motivo venho pedir a V. Ex.ª a fineza de se dignar
dizer-me o que se lhe oferecer a tal respeito. Saúde e Fraternidade.
Pelo Administrador do Concelho. – O Secretário da Administração. – (a)
José Rebello.
Encarregou-me a
Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses de estudar
o assunto, pelo que começarei por dizer que não há a menor dúvida de que
Caria, visto ter sido cabeça de Concelho, teve evidentemente a sua
Bandeira e nela o seu Brasão.
Foi Concelho por
Foral de D. Manuel I, portanto é muito natural que julgassem que os
motivos de ornamentação da primeira página do Foral, constituiriam o
brasão de Caria, como sucedeu a quase todas as terras, que tiveram o
primeiro Foral, dado por este Rei.
É a esfera armilar e
a Cruz de Cristo acompanhando as armas nacionais que figura,
simplesmente por engano, como brasão de quase todas as terras que ainda
não tinham brasão e portanto Foral, antes de D. Manuel I.
Foi um erro muito
repetido.
Caria da Beira Baixa,
porque há uma importante vila de Caria na Beira Alta, e mais pelo menos
seis Carias em território Português, é actualmente do concelho de
Belmonte, Comarca da Covilhã e Distrito de Castelo Branco. Teve Foral em
15 de Dezembro de 1512 dado em Lisboa por D. Manuel I.
Teve um Castelo,
Reduto ou Atalaia, que em tempos foi aproveitado para Casa de Campo dos
Bispos da Guarda pelo que era Prazo da Mitra.
Não é este pequeno
Castelo ou Reduto, exemplar único nesta região, pois que também
pertencente a Belmonte, há ao norte desta Vila e a mil e quinhentos
metros de distância, uma notável Torre quadrada, denominada em todo o
sempre pelo nome de «Centum Cellas», que ainda há pouco tinha 22 metros
de altura e que se diz foi construída pelo Rei D. Diniz, tendo porém
quem lhe atribua a sua construção aos romanos.
Chamam-lhe também a
Torre de S. Cornélio por ter próximo uma Ermida desta invocação.
Julgam alguns
historiadores antigos que fosse uma Atalaia.
O Castelo de Caria, é
num pequeno monte em que se desfruta um amplo horizonte e muitas
povoações.
É antiquíssima a
existência desta povoação, e o seu nome, segundo as melhores
probabilidades é de origem árabe e significa aldeia, vila ou povoação,
que os hebreus denominavam Quiria ou Alcaria.
Não sei se a Vila de
Caria da Beira Alta tem brasão, mas para que haja uma distinção que
caracterize esta Caria da Beira Baixa, deverá no seu brasão figurar uma
Estrela por estar junto à Serra da Estrela.
O Brasão da Covilhã
também tem uma Estrela, pois que é a primeira cidade que se encosta à
serra deste nome e o moderno brasão do Fundão, também ostenta a mesma
figura heráldica entre outras que o compõem.
Propomos portanto que
o Brasão de Caria da Beira Baixa, seja assim constituído:
– Em campo verde, uma
torre de prata. Em chefe uma estrela do mesmo metal.
A Bandeira deve ser
branca por ser a cor das suas peças e deve medir um metro por lado não
incluindo nestas dimensões, a bainha onde entra a haste que a sustém.
Por debaixo das armas, fita vermelha com letras pretas.
Sempre que existir um
Castelo na povoação que deseja restaurar ou criar o seu brasão, deve
este figurar na sua composição e assim concentra o Brasão de Caria na
sua composição os elementos da sua história e da sua situação junto à
Serra da Estrela.
[Affonso de Dornellas.]
(*) Posteriormente à
aprovação deste parecer, foi novamente Caria elevada à categoria de
Vila.
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: DORNELLAS,
Affonso de, «Caria», in Elucidário Nobiliarchico: Revista de História
e de Arte, I Volume, Número IV, Lisboa, Abril 1928, pp. 104-106. |