Parecer apresentado por Affonso de Dornellas à Comissão de Heráldica da
Associação dos Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão de 7 de Maio
de 1935.
Por desejo da Câmara
Municipal da Vila de Alcácer do Sal, resolveu a Comissão de Heráldica
que se estudassem as Armas, bandeira e selo respectivos.
Existe em Alcácer do
Sal um quadro em azulejo, no espaldar de uma fonte, que tem um barco
armado, parecido com uma nau, tendo à popa e à proa, dois castelos e só
um mastro com uma única vela enfunada em sentido oposto à amarra. O
mastro termina num cesto de gávea onde assenta um escudo das armas
nacionais, encimado por uma coroa aberta, carregando o escudo e a coroa
uma cruz de Santiago.
Evidentemente, as
Armas Nacionais não rematam o mastro do navio. São duas peças distintas,
como aliás são conhecidas várias pinturas e esculturas de outras terras,
onde estão representadas as Armas Nacionais e por baixo ou ao lado, as
armas municipais.
Alguns escritores que
se referem às Armas de Alcácer do Sal, dizem que elas constam do navio,
tendo por timbre as armas nacionais como diz I. de Vilhena Barbosa na
sua obra “As Cidades e Villas da Monarchia Portuguesa que teem brasão
d’armas” Lisboa – 1865, e como diz Pinho Leal, no seu “Portugal Antigo e
Moderno” Lisboa – 1873, limitando-se os outros escritores a copiar o que
estes disseram.
Também é esquisito
que em 1595, data que têm os mesmos azulejos, apareça uma cruz de
Santiago carregada elas armas reais e estas de coroa aberta.
Primeiro, não era
hábito que a Cruz da Ordem de Santiago assim aparecesse com as armas
reais no cruzamento e segundo, porque nesta data já há muito que a coroa
real era coberta.
Enfim, está lá
pintado nos azulejos e está nos mesmos a data de 1592.
É curioso porém que
Rodrigo Mendes da Silva na sua tão certa e apreciada obra intitulada
“Poblacion General de España, sus trofeos, blasones, etc.” Madrid –
1645, tratando de Alcácer do Sal, não indique as respectivas armas, como
faz de todas as cidades e vilas que nessa época as tinham.
Também é
extraordinário que no Códice 498 da Biblioteca Pública do Porto,
iluminado no meado do Século XVII e intitulado “Arte de Armaria e
Brazões de Cidades e Villas de Portugal”, códice tão apreciado e tão
certo, atribua a Alcácer do Sal umas armas que contêm apenas uma Cruz da
Ordem de Santiago.
Na bandeira antiga de
Alcácer, que está no Museu, existe um navio de três mastros, tendo três
velas o mastro real, que termina por uma bandeira no topo. Sem ter a
menor ligação com o barco, no alto da bandeira, estão as armas nacionais
com a coroa real fechada.
Tanto o navio como as
armas, se vê que foram recortadas de outra bandeira mais antiga e de cor
que a fotografia dá negro.
No alto e por detrás
da coroa real, ainda se vê o coração da Cruz da Ordem de Santiago.
Quero dizer, não há
indicação de ponto de contacto entre o navio e o escudo das Armas.
Não se justifica que
um mastro de um barco seja rematado por umas armas coroadas assentes no
cruzamento de uma cruz de Santiago.
Pelas regras de
heráldica municipal ordenadas pelo Ministério do Interior, não é
permitida a inclusão das armas nacionais completas, permitindo porém que
as quinas, na posição antiga ou na actual ou em qualquer outra posição,
figurem nas armas municipais, sendo o escudo completo considerado como
privativo do Estado.
Nas armas de Alcácer,
tanto as que estão no quadro de azulejo como as que estão na bandeira
antiga (talvez do fim do século XVII) e que se conserva no Museu,
aparece um castelo à proa e outro à popa do barco, o que não tem razão
heráldica, dando a perceber que foi engano, por naturalmente o que
existia seria um barco com castelo de proa e de popa e não como
fortificação de terra colocada em duplicado num barco.
Quem conhece a
história de Alcácer do Sal, sabe quanto custou a vencer o castelo;
quantos sacrifícios e quantas vidas…
Temos a considerar o
valor do castelo de Alcácer perante a História de Portugal. Existe ele
desde os romanos, foi dos árabes até que foi conquistado por nós.
Parece que D. Afonso
Henriques tomou este castelo em 1158, passados dois meses de apertado
cerco, constando até que ali foi ferido e só conseguindo lá entrar com
auxílio dos Cruzados, voltando a cair em poder dos mouros em 1191,
reinado de D. Sancho I. Novamente foi tomado por D. Afonso II em 1217.
Foram dois meses e meio de cerco, com vitória final. Sendo este acto
considerado um dos mais importantes daquela época.
O castelo de Alcácer
do Sal foi dado à Ordem de Santiago, que ali estabeleceu a sua sede,
indo de Lisboa, onde estava instalada.
Portanto, Alcácer foi
sede da Ordem de Santiago, até que no reinado de D. Sancho II se mudou
para Mértola.
Enfim, o castelo deve
figurar nas armas de Alcácer, mas não com a simples representação de
dois castelinhos, um à proa e outro à popa do barco.
De facto, a
importância que Alcácer teve como cais de embarque e desembarque de sal
e cereais do Alentejo e Algarve, havendo ali monumentais celeiros, assim
como a importância que esta Vila tem tido na economia nacional, além da
construção de navios, que também lhe deu nome, bem merece que nas suas
armas figure uma caravela, como símbolo da navegação portuguesa.
Com referência à
legenda “Salatia vrbs imperatoria”, não deve figurar nas armas, já
porque nada tem com a história do município português de Alcácer do Sal,
já porque a heráldica municipal é absolutamente popular e não para só
poder ser decifrada por eruditos.
Na história do
município está muito bem que se façam referências aos antecedentes à
fundação da nacionalidade, mas na história que se representa nas armas,
que é a história popular da região, manifestando os seus valores e o
valor dos seus naturais, deve haver apenas inscrições portuguesas e
essas resumidas o mais possível.
Nesta conformidade,
vejamos, segundo o estabelecido pela Direcção Geral de Administração
Política e Civil, como devem ser ordenadas as armas, bandeira e selo da
vila de Alcácer do Sal:
ARMAS – De ouro, com
um monte negro realçado a verde, sustendo um castelo de vermelho, aberto
e iluminado do campo, tendo a torre central carregada pelo escudo antigo
das quinas de Portugal, acompanhado de duas cruzes da Ordem de Santiago
de vermelho. Em contrachefe, seis faixas ondadas de prata e de azul, nas
quais está vogante uma caravela de ouro realçada de negro, aparelhada de
ouro e vestida e enfunada de prata. Coroa mural de quatro torres de
prata. Listel branco com os dizeres "Vila de Alcácer do Sal" de negro.
BANDEIRA – De
vermelho. Cordões e borlas de amarelo e de vermelho. Haste e lança
douradas.
SELO – Circular,
tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes. Em volta,
dentro de círculos concêntricos, os dizeres “Câmara Municipal de Alcácer
do Sal”.
Como a peça de maior
valor histórico é o castelo esmaltado de vermelho, a bandeira é desta
cor. Quando se destina a cortejos e outras cerimónias, a bandeira tem um
metro quadrado e é de seda bordada.
A coroa mural de
quatro torres é a que está estabelecida para caracterizar as vilas.
O ouro do campo,
caravela, aparelhado da mesma, aberto e iluminado do castelo, é o metal
mais nobre da heráldica, e significa fidelidade, constância, poder e
liberalidade.
O vermelho do castelo
e das cruzes de Santiago, significa heraldicamente, vitórias, ardis e
guerras.
A prata do vestido da
caravela e do faixado do rio, significa humildade e riqueza.
O azul do rio,
significa caridade e lealdade. Os rios são sempre representados por
faixas ondadas de prata e de azul.
O verde do realçado
do monte significa esperança e fé.
Com estes elementos e
com estes esmaltes, fica bem simbolizada a história local e as
qualidades dos seus naturais. E assim, com as mesmas peças que figuravam
nas armas mal ordenadas de Alcácer do Sal, organizam-se umas armas que
simbolizam heraldicamente a grande importância que os factos ali passado
têm na história guerreira e económica do país.
Se a Câmara Municipal
concordar com este parecer, deverá transcrever na acta respectiva, a
descrição das armas, bandeira e selo, e enviar uma cópia autenticada
dessa acta com desenhos rigorosos da bandeira e do selo, ao Sr.
Governador Civil, pedindo para enviar todos esses elementos à Direcção
Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior, para,
no caso do Sr. Ministro aprovar, ser publicada a respectiva portaria.
Lisboa, Abril de
1935.
Affonso
de Dornellas.
(Texto adaptado à
grafia actual)
Fonte: arquivo da
Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses. |