Parecer apresentado
por Affonso de Dornellas à Secção de Heráldica da Associação dos
Arqueólogos Portugueses e aprovado em sessão de 24 de Março de 1926.
Publicado no «Jornal de Arganil» n.º 15 de 6 de Julho de 1926.
Não foi dirigido à Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos
Portugueses o pedido da Câmara Municipal de Arganil para serem estudadas
as suas armas e o seu estandarte, não sendo portanto, como parecer
formulado em obediência ao determinado pela mesma secção, que estudei o
assunto, mas sim por me ter sido feito pedido directo.
Em todo o caso, não quero satisfazer o pedido da referida Câmara
Municipal sem vir comunicar o resultado das minhas investigações. O
início do estudo foi motivado pelo seguinte amável ofício:
Câmara Municipal de Arganil. N.º 3. Arganil, 8 de Janeiro de 1926. Ao
Ex.mo Sr. Affonso de Dornellas. Lisboa. Como V. Ex.ª é uma
autoridade em assuntos de arqueologia, tendo conquistado nessa
especialidade uma reputação que muito honra o País, vem esta Câmara,
abusando da sua bondade que não pode deixar de ser um atributo do seu
temperamento de artista, pedir-lhe o favor de a esclarecer sobre o
seguinte: A Câmara deste Concelho de Arganil, não tem estandarte e
deseja mandar fazê-lo. O brasão das suas armas é uma amoreira, não se
sabendo aqui a razão disso. No envelope desta carta vai esse brasão.
Onde poderá esta Câmara mandar fazer o estandarte? Poderá V. Ex.ª
indicar-lhe a melhor casa no género? Qual a explicação da amoreira do
brasão? Deverá o brasão ser modificado? Quais devem ser as cores do
estandarte? Na hipótese de o brasão dever ser modificado, em que sentido
o deve ser? Desculpe V. Ex.ª este incomodo. A Câmara dirige-se a V. Ex.ª
por um natural desejo de acertar e por reconhecer que ninguém com mais
autoridade a poderá elucidar. Saúde Fraternidade. O Vice-Presidente da
Comissão Executiva (a) Fernando Taborda.
Agradeci as amáveis referências respondi a alguma das perguntas e pedi
me esclarecessem se em qualquer época teria havido em Arganil fabricação
de sedas, ou plantações de amoreiras.
O Presidente da Câmara Municipal de Arganil, Sr. Adelino Dias Nogueira,
para colher os elementos que eu solicitava, dirigiu-se ao Sr. Dr. Veiga
Simões, natural de Arganil, diplomata actualmente em Lisboa que por sua
vez se me dirigiu repetindo as perguntas que eu primitivamente tinha
feito, deduzindo porém da correspondência trocada entre os mesmos
Senhores, que nada houve em Arganil, pelo menos que seja do seu
conhecimento, que justificasse a existência de uma amoreira nas armas da
mesma Vila.
Ora de facto, actualmente pelo menos, usa a Câmara de Arganil de umas
armas onde apenas se vê uma arvore sobre um terrado.
Sem referência à espécie da árvore, é lógico que a sua representação
figure nas armas de Arganil por ser uma região muito arborizada em que a
maioria são pinheiros, havendo também grande quantidade de oliveiras e
castanheiros. Como porém há muitas terras de Portugal que tem por
principal elemento das suas armas uma árvore, é interessante que
qualquer outra peça heráldica, torne distintas as armas de Arganil. Esta
Vila teve o seu primeiro Foral em 25 de Dezembro de 1114, quando foi
doada aos Bispos de Coimbra por D. Tereza, mãe de D. Afonso Henriques.
Foi o mesmo foral registado a folhas 255 verso do «Livro Preto da
Catedral de Coimbra».
Depois teve Foral novo dado pelo Rei D. Manuel I em Lisboa a 12 de
Setembro de 1514, o qual se encontra registado a folhas 35 verso do
«Livro dos Forais novos da Beira», existente na Torre do Tombo.
No mesmo arquivo, sob n.º 2 do maço I da Parte I do Corpo Cronológico
existe a minuta do referido Foral novo.
Quando D. Teresa, já viúva do Conde D. Henrique, doou Arganil à Sé de
Coimbra, pertencia Arganil aos mouros que parece depois a tornaram a
reaver, rezando a História que foi reconquistada por D. Afonso
Henriques.
Foi portanto da posse dos mouros que veio para o domínio de Portugal,
sendo absolutamente lógico que figure nas suas armas o emblema heráldico
que caracterizava os seus antigos possuidores.
Muito grande é a história de Arganil, salientando-se entre os factos
mais notáveis nas suas tradições, o ter, D. Afonso V, doado a mesma Vila
aos Bispos de Coimbra com o título de Conde, para assim perpetuar o
facto de D. João Galvão, Bispo de Coimbra, ter acompanhado o mesmo Rei à
África, ajudando-o na tomada de Arzila.
Desde essa ocasião, todos os Bispos de Coimbra tiveram o mesmo título.
Não há porem na história de Arganil qualquer facto que facilmente se
possa representar na composição das suas armas, com tanta razão como
seja o assinalar que foi tomada aos mouros o que marca a sua existência
antes da fundação da Nacionalidade Portuguesa.
Proponho pois que as armas de Arganil sejam assim compostas:
De prata uma árvore verde sobre um terrado da sua cor, acompanhada de
dois crescentes vermelhos. –
Coroa mural de quatro torres e bandeira verde de um metro por um lado,
tendo por debaixo das armas, uma fita branca com os dizeres a preto:
«Vila de Arganil». Cordões e borlas de verde. Haste e lança de prata.
[Affonso de Dornellas.]
(Texto
adaptado à grafia actual)
Fonte:
DORNELLAS, Affonso de, «Arganil», in Elucidário Nobiliarchico:
Revista de História e de Arte, II Volume, Número VI, Lisboa, Junho
1929, pp. 177-182. |